Quedas no ICMS e no FPM prejudicaram o avanço das receitas municipais em 2023 

O desempenho ruim das principais transferências aos municípios foi compensado pelo Governo Federal em 2023. Em 2024, ambas as receitas estão em expansão, com o ICMS registrando alta real de 11% e o FPM de 10%, no acumulado de janeiro agosto em relação ao mesmo período de 2023.

Destaque para o aumento de 84,3% da receita de operações de crédito e de 88,9% das transferências de capital da União que, somadas acrescentaram R$ 17,3 bilhões aos municípios, em 2023.

Receitas

Em 2023, a receita total dos municípios foi de R$ 1,134 trilhão, um aumento real de 5,4% em relação ao ano anterior. As receitas correntes assinalaram ganho de 4,3%, apurando R$ 1,077 trilhão, e as receitas de capital tiveram um salto expressivo de 33,5%, chegando a R$ 57,32 bilhões. O desempenho das receitas correntes em 2023 foi o pior desde 2018, quando a taxa de crescimento ficou em 4,9%. A desaceleração pode ser explicada pelo fraco desempenho das duas principais transferências recebidas pelos municípios: a do ICMS e a do FPM.

ICMS municipal

A quota-parte municipal no ICMS registrou queda real de 2,2% entre 2022 e 2023, totalizando R$ 171,63 bilhões. Contudo, considerando os R$ 4,37 bilhões repassados pelos estados, referentes aos 25% dos R$ 17,46 bilhões recebidos como compensação dada pela União (LC 201/2023), pode-se dizer que o valor global alcançou R$ 176 bilhões. Assim, o montante transferido em 2023 praticamente se igualou ao do ano anterior, com variação de 0,3%.

Os municípios de médio e grande porte populacional, no entanto, registraram forte retração. A perda foi de 8,4% naqueles com mais de 500 mil habitantes; de 8,9% nas capitais; de 4,8% no grupo que tem de 200 mil a 500 mil moradores; e de 2,8% entre os que registram de 100 mil a 200 mil habitantes.

As retrações estão associadas não apenas ao fraco desempenho global do ICMS, mas também à redução nos índices de participação dessas cidades no imposto, que, por sua vez, foi influenciada pelo impacto diferenciado da Covid-19 nas economias municipais e pelo início da introdução dos critérios educacionais para a distribuição dessa transferência. Anteriormente a esses eventos, a queda que os municípios de maior porte, especialmente as capitais, vinham sofrendo na participação no ICMS decorria da descentralização da atividade econômica em direção às cidades adjacentes e ao interior do país. Porém, a situação se agravou bastante com esses dois novos fatores e fez com que cidades de porte médio e grande perdessem mais nos últimos três anos do que em toda a década passada.

Entre 2021 e 2023, o recuo do IPM médio experimentado pelas capitais foi de 12,7%, ou seja, uma queda maior que a de 11,3% experimentada de 2010 a 2020. Se incluído o ano de 2024, o decréscimo acumulado no IPM médio das capitais posicionou-se em 17,2%, desde 2021. Para os municípios com mais de 500 mil habitantes, a redução no período de 2021 a 2024 foi de 18,1% e, naqueles com população entre 200 mil e 500 mil habitantes, chegou a 8,9%. Nesse contexto, os grandes beneficiados foram as cidades de menor porte populacional. Por exemplo, entre aquelas com até 20 mil habitantes, que já haviam apresentado um aumento de 10,8% em seus IPMs entre 2010 e 2020, a expansão acumulada de 2021 a 2024 obteve expressivos 14,4%. Veja a análise completa sobre o ICMS municipal aqui.

Em 2024, as transferências de ICMS devem crescer, revertendo o cenário dos últimos dois anos. Dados apurados por Multi Cidades em consulta ao portal Compara Brasil revelam que as transferências de ICMS assinalaram ampliação de 11%, em valores reais no acumulado de janeiro a agosto comparado ao mesmo período do ano anterior. Esse cenário é reflexo do bom desempenho da economia brasileira, que fechou 2023 com um crescimento de 2,9% e teve outra alta de 2,9% no primeiro semestre de 2024, além da sistemática atual de cobrança do ICMS sobre os combustíveis.

Cidades médias e grandes e a Reforma Tributária

A acentuada redução das participações dos municípios médios e grandes na distribuição do ICMS tende a se intensificar nos próximos anos, uma vez que os estados vêm implementando gradualmente as novas regras da EC 108, que incluem os critérios educacionais no IPM. Esse fato é preocupante, pois terá repercussões duradoras no longo processo de transição estabelecido pela Reforma Tributária (EC 132/2023).

Nas regras da transição do atual modelo de tributação do consumo para o novo sistema, 80% ou 90%[1] do futuro IBS, tributo que substituirá o ICMS e o ISS, será distribuído aos municípios e aos estados com base na proporção da receita de ICMS e ISS de cada ente em relação a essa mesma receita global de 2019 a 2026[2]. E é justamente esse o período de menor participação das cidades de porte médio e grande na divisão do bolo do ICMS. O processo de transição levará 50 anos.

Portanto, a repartição de uma grande parcela do que virá a ser a principal fonte de recursos de muitos municípios reforçará, por décadas, as disparidades de receita corrente per capita existentes, penalizando e comprometendo a capacidade de prestação de serviços das cidades de médio e grande porte, justamente onde se encontra a maior parte da população do país e onde afloram os maiores os problemas urbanos, econômicos e sociais.


[1] O PLP 108/2024, artigo 121, propõe que, de 2029 a 2032, 80% da arrecadação do IBS seja retida para ser distribuída entre municípios e estados. Em 2033, a parcela será de 90% e, de 2034 a 2077, esse percentual será reduzido à razão de 1/45 ao ano.

[2] As regras propostas para a repartição da arrecadação retida do IBS durante os anos de transição, com base na “receita média de referência”, estão no PLP 108/2024, nos artigos 126 e 127.

 

FPM

A transferência da União referente ao FPM registrou uma ligeira queda real de 0,7% em 2023 no comparativo com 2022. A cifra encaminhada somou R$ 189,72 bilhões, sem descontar os 20% que devem ser destinados ao Fundeb.

Em decorrência da perda de impulso do Fundo no segundo semestre, e diante da reivindicação de prefeitos, foi promulgada a LC 201, em 24 de outubro de 2023, que estabeleceu um apoio extraordinário e temporário aos municípios, em razão do encolhimento do FPM, e aos estados, relativamente ao FPE, além das compensações pelas perdas no ICMS. Assim, no repasse do terceiro decêndio de novembro, o Governo Federal distribuiu R$ 4,17 bilhões em apoio financeiro aos municípios. Esses recursos não foram contabilizados na conta do FPM, nem ficaram sujeitos ao desconto do Fundeb. Se fossem somados ao Fundo, este passaria a registrar um aumento de 1,5%.

No acumulado até agosto de 2024, o FPM bruto, ou seja, sem sofrer o desconto do Fundeb, somou R$ 143,55 bilhões, quantia 10% acima dos R$ 130,15 bilhões computados no mesmo período de 2023. O bom desempenho deveu-se ao aumento real na arrecadação do IPI e do IR.

IPVA

As transferências estaduais do IPVA também contribuíram positivamente para a receita corrente. Após uma elevação real de 13,8% em 2022, o imposto obteve um aumento ainda maior em 2023, de 18,3%, resultando em uma receita de R$ 39,96 bilhões para os municípios, montante que equivale a 58% de todo o recolhimento do IPTU.

Vários fatores ajudam a explicar a guinada recente do IPVA, mas nenhum deles foi mais decisivo que o descasamento entre a capacidade produtiva e a quantidade demandada de veículos, causado, inicialmente, pela pandemia da Covid-19. O desequilíbrio gerou uma pressão nos preços, que subiram substancialmente nas concessionárias, encarecendo também os veículos seminovos. Como o IPVA é calculado sobre o valor do carro no ano anterior, as receitas de 2022 e 2023 se basearam nos preços praticados em 2021 e 2022, respectivamente, quando os valores ainda estavam elevados. Somente em 2023, base de cálculo para o IPVA de 2024, os preços dos veículos usados começaram a ceder, embora em um ritmo inferior ao da valorização dos anos anteriores.

A arrecadação do imposto no primeiro semestre de 2024 confirma essa tendência. Segundo o portal Compara Brasil, que compila dados da STN, nos primeiros seis meses de 2024 as receitas de IPVA dos 26 estados mais o Distrito Federal superaram em apenas 1,5% o volume auferido em 2023, em valores reais.

Transferências do SUS

O total de recursos que os municípios recebem dos estados e da União para serem aplicados no SUS fechou 2023 em R$ 105,58 bilhões, um aumento real de 7,2%, após dois anos seguidos de quedas – de 9,2%, em 2021, e de 6,1%, em 2022. Assim, o montante é o mais elevado da história, só não superando o de 2020, ano da pandemia, quando alcançou R$ 115,60 bilhões, corrigidos da inflação.

Tributos municipais e Cosip

O desempenho dos tributos municipais também impulsionou a receita corrente. Com alta de 8,9% em 2023, a arrecadação do ISS manteve a taxa de crescimento do ano anterior. O IPTU, após ficar estável em 2022, apresentou um acréscimo de 5,3% em 2023. A Cosip e o ITBI apuraram evoluções mais modestas, de 4% e 2,4%, respectivamente. Vale notar que a receita do ITBI vinha de uma acentuada retração de 12,6% no ano anterior, devido às elevadas taxas de juros que impactaram e ainda impactam negativamente o mercado imobiliário. As taxas municipais, por sua vez, reportaram adicional de 8,3%.

Depois de avançar 21,6% em 2022, o IRRF voltou a registrar uma forte alta em 2023, desta vez de 19,7%. Ambos os resultados foram impulsionados pelos aumentos dos gastos das prefeituras com pessoal e custeio, uma vez que o IR incidente sobre a folha salarial dos servidores e sobre alguns serviços contratados pelos municípios é retido pelas gestões municipais. Deve ser lembrado que, até o fim de 2021, os municípios ficaram impedidos de realizarem ajustes salariais e contratações, como contrapartida ao recebimento dos auxílios financeiros feitos em 2020 para o combate à pandemia da Covid-19 (LC 173/2020). A partir de 2022, ocorreram os reajustes que favoreceram a receita do IRRF.

Receitas de capital

As receitas de capital, por sua vez, pontuaram um acentuado crescimento em 2023, de 33,5%, fomentado pelo salto das transferências de capital da União e pela ampliação das operações de crédito. As primeiras passaram de R$ 7,90 bilhões em 2022 para R$ 14,92 bilhões em 2023, e as segundas, de R$ 12,22 bilhões para R$ 22,51 bilhões no período. As transferências de capital dos estados, apesar de terem recuado de R$ 17,49 bilhões para R$ 11,88 bilhões nesse intervalo, mantiveram um valor significativo, o segundo maior da série histórica compilada por Multi Cidades, que se inicia em 2002.

Receita total | 2019 - 2023

Receita corrente| 2019 - 2023

Lista de siglas:

Cosip – Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública

EC – Emenda Constitucional

FPE – Fundo de Participação dos Estados

FPM – Fundo de Participação dos Municípios

IBS – Imposto sobre Bens e Serviços

ICMS – Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e sobre a Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação

IPCA – Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo

IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados

IPM – Índice de Participação dos Municípios na Distribuição do ICMS

IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano

IPVA – Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores

IR – Imposto de Renda

IRRF – Imposto de Renda Retido na Fonte

ISS – Imposto Sobre Serviços

ITBI – Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos

LC – Lei Complementar

STN – Secretaria do Tesouro Nacional

SUS – Sistema Único de Saúde