Investimentos batem recorde e custeios ultrapassam gastos com pessoal em 2023

Despesas com custeio ultrapassam a de pessoal pela primeira vez. Gastos com pessoal são impulsionados pela correção do salário mínimo e pelos pisos nacionais da enfermagem e da educação.

Investimentos batem recorde e municípios investem mais que a União ou que os estados, em 2023.

Municípios destinaram 24,2% de suas receitas vinculadas à saúde, o percentual mais elevado desde o início da exigência constitucional, só igualado ao de 2017. O mínimo, pela Constituição Federal, é de 15%.

Despesas

A despesa total dos municípios voltou a crescer significativamente em 2023. Após uma alta real de 16,2% em 2022, os dispêndios acusaram um novo aumento em 2023, desta vez de 9,1%, alcançando R$ 1,137 trilhão. Em 2022, a forte expansão dos gastos foi resultado, em grande parte, da sua retenção em 2021.

Entre maio de 2020 e dezembro de 2021, os desembolsos com pessoal estavam contidos devido à LC 173/2020, que proibiu a União, os estados e os municípios de concederem aumentos, reajustes ou adequações de remuneração aos servidores públicos. As despesas de custeio, por sua vez, também estavam represadas pela paralisação total ou parcial dos serviços públicos durante a pandemia de Covid-19.

Além disso, 2021 foi um primeiro ano de mandato, período no qual os recursos destinados a investimentos tendem a ser menores, pois os governos estão na fase de definição de seus projetos. Tais fatores explicam a vigorosa retomada dos gastos em 2022, que teve prosseguimento em 2023, ainda que mais moderada.

Pessoal

Com elevação real de 8,1%, a despesa com pessoal dos municípios totalizou R$ 491,73 bilhões, em 2023. O desempenho reflete uma combinação de fatores estruturais e conjunturais, que vão além da dinâmica das decisões locais, e são fruto das políticas nacionais de valorização salarial ocorridas ao longo do ano, tais como a instituição do piso da enfermagem, o reajuste do piso do magistério e a majoração do salário mínimo.

Como o crescimento do dispêndio com pessoal foi significativamente superior ao das receitas correntes, que aumentaram 4,3%, a participação dessas despesas na receita subiu de 44% para 45,6%, indicando uma possível reversão na tendência de queda que havia começado em 2018.

Ao analisar o cumprimento dos limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, os dados do portal Compara Brasil revelam que, em 2023, 13,7% dos municípios excederam o limite máximo de 54%, enquanto 57,3% ficaram abaixo do limite de alerta de 48,6%. Essa situação representa um agravamento em relação a 2022, quando as porcentagens eram de 11,4% e 65,8%, respectivamente. No entanto, a proporção de cidades que ultrapassaram o teto foi inferior aos 16,7% registrados em 2021. Veja mais aqui.

Custeio

Em 2023, as despesas de custeio aumentaram 9,5%, alcançando R$ 497,81 bilhões, superando pela primeira vez os gastos com pessoal desde o início da série histórica compilada por Multi Cidades em 2002. Como a taxa de crescimento do custeio foi mais que o dobro da receita corrente, de 4,3%, o indicador que relaciona esses itens subiu significativamente, passando de 44% em 2022 para 46,2% em 2023, o maior percentual da série histórica.

As despesas de custeio evidenciadas em Multi Cidades incluem os gastos necessários para manter os serviços municipais, como iluminação pública, limpeza urbana, sinalização, manutenção de escolas e postos de saúde, parques, publicidade, treinamentos e serviços especializados, além da aquisição de materiais de consumo das escolas, medicamentos e repasses a organizações assistenciais, entre tantos outros itens.

No período pós-pandemia, em 2022 e 2023, os municípios reforçaram significativamente os investimentos, o que elevou as despesas com a manutenção dos novos serviços e equipamentos. É importante também destacar o papel exercido pela terceirização de serviços na dinâmica das despesas de custeio. Tem crescido a utilização de empresas terceirizadas para a realização de atividades-meio ao longo das últimas décadas, como forma de melhorar a qualidade dos serviços públicos registrados em 2021. Veja mais sobre a composição dos custeios e sua evolução aqui.

Investimentos

Os investimentos municipais em 2023 somaram R$ 121,41 bilhões, um novo recorde que superou os R$ 108,32 bilhões de 2022. Esse foi o segundo ano consecutivo de expansão, após a retração já esperada no primeiro ano de mandato em 2021.

O crescimento dos investimentos foi impulsionado pelas receitas de operações de crédito, que saltaram de R$ 12,22 bilhões, em 2022, para R$ 22,51 bilhões, em 2023, o maior nível já registrado pelos municípios. O acréscimo representou 78,7% de todo o aumento nesse item da despesa. Assim, a participação das operações de crédito no volume total de investimentos subiu de 11,3% para 18,5%.

A maior parte dos investimentos (52,8%, ou R$ 64,09 bilhões) continua sendo financiada pelos recursos próprios dos municípios. As transferências de capital da União e dos estados totalizaram R$ 28,96 bilhões, correspondendo a 23,9%, enquanto outras receitas de capital contribuíram com R$ 5,84 bilhões, ou 4,8%.

Ao observar os recursos investidos nos três primeiros anos dos atuais mandatos (2021 a 2023), verifica-se que o valor de R$ 297,31 bilhões foi o mais elevado da história para esse período. O montante foi o equivalente a duas vezes (99,8%) ao dos três primeiros anos do mandato imediatamente anterior (2017 a 2019).

Em 2023, os municípios superaram os estados no financiamento e na execução de investimentos públicos da administração direta do país. Com base na despesa liquidada, foram responsáveis por financiarem 49,7% dos R$ 202,91 bilhões do investimento consolidado, à frente dos estados (35,3%) e da União (15,1%). Pela ótica da execução, os municípios realizaram 58,5% do investimento total, enquanto os estados geriram outros 32,2% e a União, 9,3%. Nos últimos cinco anos (2019-2023), os entes municipais administraram pouco mais da metade (51,3%) de todos os investimentos públicos no país, destacando-se como agentes essenciais na expansão e modernização da infraestrutura.

Juros e amortizações de dívida

Em 2023, os municípios destinaram R$ 26,41 bilhões ao pagamento de juros e amortizações de dívidas, um aumento real de 7,8% em relação a 2022. Cerca de 60% dessas despesas ocorreram em 151 cidades com mais de 200 mil habitantes, que têm sido as principais responsáveis pelo crescimento dos encargos da dívida desde 2015. Essas cidades, exceto São Paulo, expandiram suas despesas em R$ 6,20 bilhões nesse período.

A alta na taxa Selic em relação à inflação desde meados de 2022 resultou em juros reais elevados para contratos de crédito, ampliando o aporte dos recursos necessários para honrar os compromissos. Nos municípios de médio e pequeno porte, a ascensão das operações de crédito também é significativa, com um aumento de mais de cinco vezes entre 2015 e 2023, embora a dívida previdenciária tenha um impacto muito mais acentuado em suas despesas. Dados de 2023 apontam que 79,2% da dívida contratual de municípios com menos de 50 mil habitantes originavam-se de outros débitos onde os previdenciários são maioria absoluta.

O perfil da dívida é distinto, portanto, entre os municípios. Enquanto nos grandes centros urbanos a necessidade por investimentos leva-os a contratar grandes montantes em operações de crédito, nas cidades de pequeno porte populacional a dívida previdenciária é a principal responsável pelos dispêndios com os juros e amortizações. No entanto, a elevação das taxas de juros atingiu a todos.

O município de São Paulo, que vinha reduzindo suas despesas com a dívida desde 2015, apresentou uma queda ainda mais forte em 2022 e 2023, em virtude da venda do Campo de Marte ao Governo Federal. Essa transação resultou na quitação de R$ 23,9 bilhões da dívida com a União. Assim, os gastos, que passavam de R$ 4 bilhões ao ano, caíram para R$ 843,3 milhões em 2023.

Gasto social

Após crescerem 13,2% em 2022, os recursos aplicados nas principais áreas sociais, compostas pela educação, saúde e assistência social, aumentaram 7,6% em 2023 e chegaram a R$ 615,43 bilhões, valor que correspondeu a 54,1% de toda a despesa realizada pelos municípios no exercício.

Educacão

No caso da educação, os recursos aplicados na área saltaram de R$ 285,20 bilhões, em 2022, para R$ 304,98 bilhões, em 2023, com acréscimo 6,9%, taxa que superou o desempenho das receitas correntes no mesmo ano, que tiveram alta real de 4,3%.

O primeiro e mais importante fator para a ampliação dessa despesa foi o reajuste nominal de 14,9% no Piso Salarial Profissional Nacional para os profissionais da educação básica, estabelecido pela Portaria 17/2023 do Ministério da Educação, que elevou o piso de R$ 3.845,63, em 2022, para R$ 4.420,55, em 2023. A medida significou um aumento real de 9,9%, quase cinco vezes acima da variação das transferências do Fundeb, o que obrigou os municípios a destinarem uma parte maior dos recursos ordinários do Tesouro para honrar o pagamento desse dispêndio.

Um segundo fator, embora com menor impacto, está relacionado à recomposição do saldo financeiro que não foi aplicado na educação em 2020 e 2021, afetando um grupo específico de municípios. De acordo com a EC 119/2022, devido às mudanças no funcionamento das escolas durante a pandemia, os entes subnacionais que não atingiram a aplicação mínima de 25% dos recursos em educação nesses anos precisaram complementar o saldo deficitário até o final de 2023 para evitar penalidades. Em 2020, 377 municípios não cumpriram a aplicação mínima. Em 2021, o grupo de cidades nessa condição foi ainda maior, subindo para 1.075, conforme dados da Atricon [1]. As municipalidades em falta tiveram até dezembro de 2023 para aplicar o saldo deficitário. Em 2023, apenas 29 municípios, de um total de 5.539 com dados disponíveis no Siope, relataram aplicação abaixo do mínimo constitucional de 25%.

[1] https://atricon.org.br/atricon-alerta-quanto-ao-cumprimento-do-disposto-na-ec-119-2022/

Saúde

O ano de 2023 confirma a tendência de aumento gradual no gasto com saúde realizado pelo conjunto dos municípios. Observa-se que, desde 2017, as prefeituras ampliam os recursos direcionados para o setor, com destaque para 2020, que apresentou uma forte elevação, resultante do enfrentamento à Covid-19. Os R$ 276,96 bilhões empregados na área em 2023 correspondem a um crescimento real de 8,2% em relação ao ano anterior.

A despesa municipal com saúde é financiada pelos recursos próprios dos municípios e por transferências federais e estaduais destinadas exclusivamente para as ASPS. Conforme dados do Siops, entre 2022 e 2023, o adicional real de recursos próprios para a área foi de 7,1%, chegando a R$ 154,32 bilhões no último ano. Já o salto das transferências do SUS foi praticamente da mesma intensidade, de 7,4%, ao atingir R$ 109,36 bilhões, no mesmo período. Assim, em 2023, manteve-se a preponderância dos recursos próprios no financiamento da saúde local, respondendo por 54,6% dos dispêndios.

O crescimento das transferências do SUS reflete o aumento da despesa empenhada da União com a função saúde no período, em razão da aprovação da EC nº 126 (PEC da Transição), em dezembro de 2022. Esse ordenamento recuperou a obrigatoriedade do cumprimento, por parte da União, do piso da saúde de 15% da RCL, estipulado pela EC nº 86, de 2015. Junta-se a isso a ampliação da participação da saúde no orçamento impositivo por meio de emendas parlamentares individuais, que pela EC nº 86 garantia 0,6% da RCL para a saúde e, a partir da EC 126, passou para 1% da RCL.

Já a aplicação obrigatória mínima dos municípios – também fixada em 15% da receita municipal própria de impostos e de transferências constitucionais oriundas de impostos (EC 29/2000) – tem ficado sempre acima desse patamar. Em 2023, foi de 24,2%, o percentual mais alto desde o início da exigência, só igualado ao de 2017.

Veja no portal Multi Cidades mais informações sobre a importância dos municípios no financiamento da saúde no Brasil, a evolução dos recursos de emendas parlamentares para a área e suas implicações, além de uma análise sobre as repercussões que o Novo Arcabouço Fiscal poderá ter sobre as despesas vinculadas à saúde e educação.

Assitência Social

Assim como nas áreas de educação e saúde, os recursos municipais destinados à assistência social em 2023 apresentaram alta. Em termos reais, o crescimento na pasta foi de 8,4%, alcançando R$ 33,49 bilhões. A participação dessa despesa na receita corrente tem se mantido relativamente estável nas últimas duas décadas, oscilando entre 2,9% e 3,2%. Em 2023, foi de 3,1%. Em 2023, os municípios destinaram, em média, R$ 344,21 para cada pessoa inscrita no CadÚnico.

Legislativo

Com um crescimento real de 11,1%, os gastos municipais com o Poder Legislativo somaram R$ 25,65 bilhões, em 2023. Esse aumento superou a expansão da despesa total dos municípios, que subiu 9,1% em relação ao ano anterior. É importante destacar que o orçamento do Poder Legislativo é calculado com base na arrecadação das receitas do ano anterior. Em 2023, a referência foi 2022, quando itens significativos da receita, como o FPM, o ISS e o IPVA, apresentaram altas acentuadas de 15,5%, 9,8% e 15,7%, respectivamente.

Após um período de declínio iniciado em 2018, seguido de estabilização no patamar de 2,2% durante o biênio 2021-2022, a participação da despesa com o Poder Legislativo na receita corrente voltou a crescer em 2023, atingindo 2,4%. O custo do Poder Legislativo é relativamente maior quanto menor o contingente populacional do município. Para o grupo de cidades com até 20 mil habitantes, o peso desse dispêndio na receita corrente foi de 3,2%, caindo paulatinamente até chegar a 1,9% para aqueles com mais de 500 mil moradores, em 2023.

Despesa total| 2019 - 2023

Lista de siglas:

Atricon – Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil

ASPS – Ações e Serviços Públicos de Saúde

CadÚnico – Cadastro Único para Programas Sociais

EC – Emenda Constitucional

FPM – Fundo de Participação dos Municípios

Fundeb – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação

IPCA – Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo

IPVA – Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores

ISS – Imposto Sobre Serviços

PEC – Proposta de Emenda Constitucional

RCL – Receita Corrente Líquida

Siope – Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação

Siops – Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde

SUS – Sistema Único de Saúde