Incertezas foram obstáculo para arrecadação do ITBI em 2023
Juros em patamares ainda elevados diminuíram o potencial arrecadatório do imposto em 2023, quando o seu recolhimento superou o resultado de 2022 em 2,4%. Com a melhora do cenário em 2024, o ITBI caminha para uma renovação do recorde histórico de 2021.
Desempenho
Os municípios brasileiros fecharam o exercício de 2023 com a arrecadação do ITBI na ordem de R$ 20,85 bilhões. Nos últimos três anos, a receita do imposto esteve sempre acima de R$ 20 bilhões, em valores corrigidos pelo IPCA médio de 2023, fato inédito até então. Em relação a 2022, a taxa de crescimento foi de 2,4%, o equivalente a R$ 495 milhões de incremento.
A expansão em 2023, mesmo que tímida em relação ao comportamento histórico do tributo, serviu para interromper a queda acentuada ocorrida um ano antes, de 12,6%. O principal fator para a reversão foi a redução da taxa de juros cobrada nos financiamentos imobiliários, após o BCB começar a cortar a Selic ao longo de 2023.
Ao final de 2022, a taxa estava em 13,75%, situando-se um ano depois em 11,75%, isto é, com dois pontos percentuais a menos. Com esse corte, as taxas de juros praticadas em financiamentos pelo SFH e pelo FGTS também caíram, mesmo que timidamente, como pode ser visto no gráfico a seguir. Com a leve melhora nos juros, o volume total de financiamentos imobiliários permaneceu praticamente estável em 2023, interrompendo a derrocada de 2022, que levou ao forte encolhimento nas receitas com o ITBI naquele ano.
Para explicar o momento vivido pelo tributo, é preciso considerar os fatores que o tornam altamente volátil, diretamente ligado às flutuações da renda das famílias, do crescimento e do nível de incerteza na economia e das taxas de juros. Cabe ressaltar que esse conjunto de variáveis normalmente caminha no mesmo sentido.
Em que pese nos últimos três anos a arrecadação ter ultrapassado a marca de R$ 20 bilhões, as perspectivas em cada exercício foram totalmente diferentes. Em 2021, o imposto logrou um avanço excepcional de 32,4%, em um período favorável após os piores momentos da pandemia da Covid-19. Em 2022, com a disparada impressionante da Selic, o tombo também foi significativo, de 12,6%. O exercício de 2023, contrariando o comportamento predominante da série histórica, que evidencia variações normalmente superiores a 7%, revelou expansão de apenas 2,4%, conforme já mencionado, com os indivíduos em compasso de espera para a tomada de decisão quanto à compra ou não de um imóvel.
Entender esse compasso de espera é fundamental para balizar as expectativas em relação à performance do ITBI. Historicamente, como pode ser observado no gráfico anterior, os anos de baixa variação na arrecadação do tributo – 2004, 2009, 2014, 2017 e 2023 – são precedidos e/ou sucedidos por ciclos de avanço ou retração intensos na arrecadação do imposto. Os anos de baixa variação também estão ligados a eventos que geraram incertezas e impactos econômicos.
É interessante observar que, no último ano em que o ITBI registrou uma variação mais contida, em 2017, o país se encontrava recém-saído de uma crise política, uma nova regra fiscal, denominada “Teto dos Gastos”, estava sendo constituída pelo Governo Federal e a recessão dos anos anteriores estava sendo superada. Naquele momento, a incerteza dos agentes econômicos postergou um pouco a tomada de decisões como a de compra de imóveis. Desde então, a captação de receitas com o imposto subiu 51,6% em termos reais, saindo de R$ 13,75 bilhões, em 2017, para R$ 20,85 bilhões, em 2023.
O ano de 2023 apresenta algumas similaridades a 2017: uma nova gestão assumiu o Governo Federal, uma nova regra fiscal foi implementada, e a Selic começou a ceder após a rápida escalada do ano anterior. Se bem-sucedidos, esses vetores poderão estimular a expansão do mercado imobiliário e dar início a um novo ciclo de aumento na arrecadação do ITBI.
Dados do primeiro semestre de 2024 referentes às capitais estaduais revelam que, a princípio, o cenário que está se desenhando é positivo. Segundo o portal Compara Brasil, que compila, organiza e divulga dados coletados na Secretaria do Tesouro Nacional, as receitas acumuladas das 26 capitais de janeiro a junho apontam um crescimento real de 13,8% em relação ao volume reportado nos primeiros seis meses de 2023, o que equivale a pouco mais de meio bilhão de reais em recursos adicionais. Desse valor, cerca de R$ 352 milhões são provenientes da capital paulista, que obteve uma expansão de 21,5%. Se esse ritmo se mantiver ao longo do segundo semestre, o ITBI de 2024 poderá se encaminhar para a renovação do recorde histórico alcançado em 2021.
Entre as capitais que iniciaram 2024 com um desempenho inferior ao de 2023, destacam-se Porto Alegre, com perdas de aproximadamente R$ 25 milhões (-14,6%) em decorrência ao desastre ambiental e social vivido por todo o Rio Grande do Sul, e Aracaju, com retrações de cerca de R$ 16 milhões, ou 32,9%, num movimento de volta a patamares recentes após o pico arrecadatório de 2023, detalhado mais adiante.
Destaques em 2023
Na análise do perfil da expansão do ITBI ocorrida em 2023, percebe-se que esse avanço foi mais intenso nos municípios com população entre 20 mil e 50 mil residentes, onde houve alta de 12% em relação a 2022, resultando em um acréscimo de R$ 227 milhões na receita do imposto. Quando se segmenta essa faixa por estados da federação, nota-se que, especificamente na Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina, tais municípios obtiveram resultados excepcionais, com variações médias entre 21,2% e 48,4%. Como mencionado na edição anterior de Multi Cidades, municípios ligados ao agronegócio vêm se destacando no setor imobiliário em razão do pujante crescimento de suas economias. Em Santa Catarina, além de o setor primário estar presente em sua porção oeste, nos últimos anos uma rápida expansão populacional em sua faixa litorânea também contribuiu para impulsionar ainda mais o ITBI.
Outro grupo de municípios que apresentou crescimento acima da média nacional foi aquele que reúne os municípios com mais de 200 mil e menos de meio milhão de residentes. Neles, o ITBI obteve um salto de 5,3% em seu recolhimento, injetando R$ 176,3 milhões adicionais aos cofres públicos. No Brasil, com frequência, essas são cidades-polo regionais ou municípios inseridos em regiões metropolitanas.
As capitais registraram um desempenho em linha com o ocorrido em 2022, com leve acréscimo de 0,5%. Das 10 maiores arrecadações de ITBI em 2023, sete são de capitais. Entre elas, ocorreram avanços no Rio de Janeiro (1,8%), em Curitiba (5,9%), em Goiânia (5,8%) e em Salvador (1,0%). Na capital paulista, o recuo foi de 0,6%, o equivalente a uma redução de R$ 19,7 milhões; em Porto Alegre, o encolhimento de 8,1% significou uma perda de R$ 29,2 milhões e, em Belo Horizonte, a queda foi de 1%, ou R$ 5 milhões.
Entre as capitais de menor nível arrecadatório com o ITBI, chama atenção o desempenho de Aracaju, que em 2023 viu o imposto saltar 49,1%, ao sair de uma receita de R$ 53,3 milhões, em 2022, para R$ 79,5 milhões, em razão de uma transação imobiliária de alto valor, referente à venda de um imóvel da Petrobras na cidade.
Peso na receita corrente
Em média, o ITBI foi responsável por 1,9% da receita corrente dos municípios brasileiros em 2023. Embora não seja muito relevante nos orçamentos atuais, o imposto vem passando por alterações que podem impactar significativamente seu potencial arrecadatório.
Tramita no Congresso Nacional proposta (PLP nº 108/2024) que modifica o momento no qual o imposto pode ser cobrado. Até então, o recolhimento ocorria conjuntamente à transferência de propriedade em um Registro de Imóveis. Agora, fica facultado ao município cobrar o imposto, com alíquota reduzida, quando ocorrer a mudança da posse, etapa anterior à consolidação da propriedade, desde que com a anuência do contribuinte. Essas modificações visam a diminuir a incidência de “contratos de gaveta” e abre espaço para a municipalidade ter uma postura mais ativa com o objetivo de explorar todo o potencial do imposto.
Na média, o ITBI participa com R$ 1,93 a cada R$ 100 dos ingressos regulares que as prefeituras brasileiras recebem, valor que sobe para R$ 3,05 quando se consideram apenas as cidades com mais de 500 mil habitantes, e alcança R$ 3,13 nas capitais. Já nos menores municípios do país, onde a população não supera 20 mil habitantes o ITBI é responsável por R$ 1,05. Essa discrepância é decorrente, entre outros fatores, da melhor capacidade institucional arrecadatória instalada, do valor mais alto dos imóveis e do maior volume de negociações, que se amplia em localidades mais dinâmicas.
Arrecadação per capita
Os municípios captaram o equivalente a R$ 104,11 por habitante com o ITBI, em 2023. Como explicado anteriormente, os centros urbanos mais populosos e mais dinâmicos dispõem de um potencial arrecadatório mais vigoroso nesse tributo, em virtude da valorização imobiliária e do maior volume de transações. Isso explica por que as cidades com mais de meio milhão de residentes recolheram R$ 168,01 per capita, ao passo que, nos municípios onde a população é inferior a 50 mil habitantes, a receita por habitante é de R$ 64,69.
O comércio de terras e a atividade turística são fatores preponderantes para explicar as primeiras colocações no ranking nacional do ITBI per capita, pois ambos possibilitam operações que superam a capacidade contributiva da população local. As cinco primeiras cidades colocadas no ranking, em 2023, são Inocência/MS (R$ 2.744,02), Alto Boa Vista/MT (R$ 2.059,80), Aporé/GO (R$ 1.956,54), Figueirão/MS (R$ 1.796,30) e Santa Rita do Pardo/MS (R$ 1.613,47), todas elas situadas em regiões de intenso crescimento do agronegócio.
A sétima colocada, Xangri-lá (R$ 1.470,35), é um dos principais endereços litorâneos do Rio Grande do Sul, e a oitava, Balneário Camboriú (R$ 1.315,19), vem despontando no cenário nacional pelo adensamento populacional e projetos imobiliários de grande envergadura financeira em sua faixa litorânea, que a alçaram não apenas à oitava posição do ITBI per capita, mas também à nona colocação no ranking absoluto, com uma receita de R$ 183 milhões, cifra que supera as de municípios como Fortaleza, João Pessoa, Florianópolis, Recife, Uberlândia/MG, São Bernardo do Campo/SP e Guarulhos/SP.