36 milhões de pessoas vivem em 438 municípios com as mais baixas receitas per capita
Dessas 438 cidades, 99 possuem uma população média de 250 mil habitantes e nos demais 339 o número médio de moradores é de 33 mil. A receita corrente per capita média do grupo, num período de três anos (2021-2023), não ultrapassa R$ 3.529,00, enquanto a média do total dos 5.545 municípios avaliados é de R$ 5.877,00.
Receita corrente per capita
A receita corrente per capita é um excelente indicador capaz de comparar a capacidade das prefeituras de prestar serviços aos seus cidadãos. Por isso, é fundamental avaliar o comportamento desse parâmetro entre os municípios, a fim de identificar possíveis distorções e suas causas.
Em 2023, a receita corrente per capita média municipal foi de R$ 5.380,30. Na estratificação por faixa populacional, observa-se que a receita per capita média das cidades com até 20 mil habitantes (R$ 6.006,68) apresentou-se 11,6% acima da média nacional. Nos municípios com mais de 500 mil habitantes, a diferença foi de apenas 2,4%. Nas demais faixas populacionais, o resultado ficou, em média, 4% abaixo da média nacional, sendo o menor valor registrado entre os municípios de 200 mil a 500 mil habitantes, cuja receita per capita posicionou-se 5,7% aquém do valor médio.
Embora a situação apontada seja mais favorável para municípios de menor porte em termos de capacidade de prestação de serviços públicos, a análise por faixa populacional não revela a desigualdade na distribuição da receita corrente per capita entre as cidades de um mesmo estrato.
Optou-se aqui por expor uma avaliação complementar a partir de grupos por faixa de receita per capita, a fim de verificar as características dos municípios em cada um desses conjuntos. Foi utilizada a média da receita corrente entre 2021 e 2023 de 5.545 municípios e suas populações. Os dados revelaram uma receita corrente per capita média de R$ 5.687,65[1] no período, com desvio padrão de R$ 2.158,32[2]. Com base nesses resultados, os municípios foram agrupados em intervalos de um desvio padrão em relação à média, formando sete grupos: dois com valores abaixo da média nacional e cinco com valores acima, conforme mostra a tabela abaixo.
[1] Média aritmética dos valores disponíveis no período de 2021 a 2023. A fonte dos dados é a mesma dos demais valores publicados em Multi Cidades, ou seja, as Declarações de Contas Anuais dos municípios informadas ao Siconfi.
[2] A média e o desvio padrão foram calculados após a exclusão de municípios com valores atípicos (outliers).
Nota-se, em primeiro lugar, que a grande maioria dos municípios (77,3%, ou 4.211 cidades) concentra-se nos grupos 2 e 3 e apresenta uma receita corrente per capita média que varia entre 77,4% e 112% da média geral. Supondo que nesse intervalo o grau de desigualdade seja aceitável, pode-se afirmar que mais de três quartos dos municípios estão em uma faixa de receita corrente per capita adequada. A análise segue, portanto, para os demais grupos de municípios, ou seja, aqueles com baixa receita per capita, que enfrentam dificuldades na prestação de serviços, e aqueles com recursos muito acima da média.
Os 438 municípios do Grupo 1 têm as menores receitas correntes per capita do país, cuja média foi de R$ 3.199,59 no período de 2021 a 2023, equivalente a apenas 54,4% da média nacional. Essas cidades abrigam 35,9 milhões de habitantes, o que representa 18% da população do estudo. O Grupo 1 pode ser subdividido em dois subgrupos: A e B.
O subgrupo A inclui municípios de maior porte populacional, com baixo dinamismo econômico. São 99 cidades com mais de 80 mil habitantes, grande parte delas localizada na periferia de regiões metropolitanas, incluídas as conhecidas cidades-dormitório, com 24,9 milhões de habitantes, o que equivale a 69,2% da população do Grupo 1 e a 12,5% da população abrangida pelo estudo.
Essas cidades caracterizam-se por serem prejudicadas pelo sistema de partilha de recursos entre os entes federados, tanto na distribuição do FPM, que favorece os de menor porte, quanto na do ICMS, cujo critério principal é o valor adicionado (riqueza gerada nos territórios municipais), também baixo nesses locais. Além disso, suas receitas próprias, como as de ISS, IPTU e ITBI, são insuficientes devido à frágil base tributária, que reflete o menor nível de renda da população e o tímido dinamismo econômico. Desse modo, a receita corrente per capita desse subgrupo, de R$ 3.023,81, chega a ser 7% inferior à dos municípios de menor porte populacional que formam o subgrupo B e que será analisado a seguir.
O subgrupo B é composto por 339 municípios com população abaixo de 80 mil habitantes, onde a receita corrente per capita média é de R$ 3.250,93. Embora represente 77,4% da quantidade de municípios com baixa receita per capita, esse conjunto abriga apenas 30,8% da população do Grupo 1 e 5,5% da população total do estudo. São municípios localizados principalmente em estados com baixa arrecadação de ICMS proporcionalmente ao número de habitantes.
Dos 339 municípios, 201 (59,3%) estão no Nordeste: Pernambuco (51), Bahia (47), Maranhão (22), Paraíba (19), Ceará (18), Rio Grande do Norte (18), Piauí (13), Sergipe (12) e Alagoas (1). No Norte, há 69 cidades, com concentração no Pará (41), Acre (11) e Amazonas (7). Outros estados têm poucos municípios nessa condição, como Amapá e Roraima, com dois casos cada; Rondônia, com um; e Tocantins com cinco. No Sudeste, dos 57 casos, 55 estão em Minas Gerais e dois, em São Paulo. No Centro-Oeste, há sete, todos em Goiás. O Sul tem cinco cidades, quatro no Paraná e um em Santa Catarina. Espírito Santo e Rio de Janeiro, no Sudeste; Rio Grande do Sul, no Sul; e Mato do Grosso do Sul e Mato Grosso, no Centro-Oeste, não registram nenhum município nessa situação.
No subgrupo B, com população média de 32,6 mil habitantes, os dados indicam que o FPM é a fonte de recursos de maior volume per capita, enquanto as demais receitas possuem valores per capita significativamente abaixo da média. Essas cidades se caracterizam, portanto, por apresentarem uma forte dependência do FPM para garantirem o funcionamento dos serviços públicos.
O outro extremo, representado pelos grupos 6 e 7, reúne municípios com receita corrente per capita superior à média nacional em mais de duas e três vezes, respectivamente, como mostrado na tabela acima. Juntos, esses dois grupos são compostos por apenas 176 municípios, com uma população média de 13 mil e de 21,8 mil habitantes, respectivamente. Apenas 13 municípios têm população superior a 50 mil habitantes. Acima de 100 mil moradores, são apenas sete. A maioria está concentrada no Sul e no Sudeste, com 71 e 67 casos, respectivamente. No Centro-Oeste, há 25 cidades, enquanto no Nordeste e no Norte, há somente oito e cinco, respectivamente.
A elevada receita per capita da maioria dos municípios dos grupos 6 e 7 se deve, em grande parte, à população reduzida. Metade deles registra menos de 2,5 mil habitantes, ou seja, são municípios muito pequenos beneficiados pelas transferências do FPM, que distribui uma quantia de recursos aproximadamente igual para todos com até 10.188 habitantes.
Em alguns casos, a excelente receita per capita está relacionada à presença de grandes projetos nas áreas de petróleo, mineração, portos, exportação ou agronegócio, atividades que elevam tanto o ICMS repassado pelos estados quanto a arrecadação de ISS. Em pouco mais de uma dezena deles, a alta receita per capita provém dos royalties de petróleo e participações especiais, número similar ao de cidades que se beneficiam dos royalties da mineração.
Por fim, nos grupos 4 e 5 encontram-se 720 municípios de pequeno porte populacional, que concentram apenas 3,2% da população total do estudo e aferem uma receita corrente per capita média bastante confortável em relação à média geral, já que a superam em uma vez e meia ou até em quase o dobro. São cidades com população média de 8.941 habitantes, pertencentes, portanto, ao estrato de pequeno porte. A maior parte (60%) localiza-se no Centro-Oeste e no Sul. Somando o Sudeste a essas duas regiões geográficas, o percentual sobe para um total de 89% dos municípios dos dois grupos. Como característica geral, além de terem um FPM per capita substancial – assim como municípios de pequeno porte dos grupos 1 e 2 –, os grupos 4 e 5 possuem outras fontes de receitas mais significativas, como o ICMS, em virtude da importância do imposto em seus estados. Desse modo, conseguem uma arrecadação própria razoável. No entanto, não chegam ao nível da receita per capita das cidades dos grupos 6 e 7 por, via de regra, não abrigarem grandes projetos industriais ou extrativistas como em vários desses.
A avaliação aqui apresentada lança luz sobre a questão do subfinanciamento municipal no país ao medir o tamanho das desigualdades e apontar exatamente quais são as cidades e onde elas estão. As causas do subfinanciamento, por sua vez, são conhecidas e estão sempre em pauta nas edições anteriores deste anuário.
Políticas direcionadas à melhoria das condições fiscais dos entes locais deveriam atacar as causas da baixa receita corrente per capita dos municípios do Grupo 1, que, como foi mostrado, se subdivide entre 99 cidades com mais de 80 mil habitantes e 339 com população média de 32 mil residentes (ver tabela no portal Multi Cidades). É imprescindível que sejam reformulados os critérios de distribuição dos recursos compartilhados, especialmente os do FPM e do ICMS, pois são estes as principais causas dos desequilíbrios federativos em âmbito municipal. Para que se garanta uma distribuição mais justa e eficaz, essa medida deve ser implementada considerando a dinâmica populacional e a nova geoeconomia brasileira, que apontam para um maior desenvolvimento em regiões agroexportadoras, enquanto áreas mais adensadas na faixa litorânea perdem em dinamismo e pequenas cidades do interior, em população.
Nas últimas décadas, no entanto, alguns movimentos contrários a essa desejada tendência foram levados a cabo. O mais recente deles foi a adoção de critérios de qualidade na educação para a distribuição do ICMS, cujos efeitos estão bem detalhados no texto sobre a quota-parte municipal no ICMS no portal Multi Cidades. Muitos estados, ao elaborarem os parâmetros da repartição em suas leis, não incluíram o número de alunos das redes municipais de ensino e, com isso, vêm retirando ainda mais recursos de municípios com baixa receita do Grupo 1 – que já se encontram prejudicados na partilha –, reforçando e perpetuando as desigualdades.
Lista de siglas:
FPM – Fundo de Participação dos Municípios
ICMS – Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e sobre a Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação
IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano
ISS – Imposto Sobre Serviços
ITBI – Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos