Juros altos elevam os encargos da dívida nos municípais
O grande hiato entre o IPCA e a taxa Selic resultou em juros reais elevados e encareceu o pagamento de financiamentos e empréstimos, cada vez mais frequentes. Efeito semelhante ocorreu com a dívida previdenciária, afetando diretamente os municípios de menor contingente populacional.
Desempenho 2023
Em 2023, os municípios desembolsaram R$ 26,41 bilhões para o pagamento de juros e amortizações de suas dívidas, registrando um aumento real de 7,8% em relação ao ano anterior. Esse crescimento reverteu a leve queda de 2,1% observada no exercício antecedente, levando esses dispêndios ao maior patamar desde 2002. Excluindo-se os dados da cidade de São Paulo, verifica-se uma elevação de 11,1% em 2022 e de 11,8% em 2023.
Desde 2016, as despesas com juros e amortizações têm mostrado uma tendência de alta. Essa trajetória foi interrompida em 2020 pela LC 173/2020, que suspendeu, de março a dezembro, a cobrança de débitos previdenciários e dívidas renegociadas com a União, aliviando as contas dos entes subnacionais e permitindo melhores condições financeiras para enfrentar a crise da Covid-19.
No período mais recente, o salto foi impulsionado, principalmente, pela expansão das taxas de juros na economia brasileira. Com a Selic significativamente acima do IPCA, os contratos pós-fixados indexados à taxa básica têm apresentado juros reais elevados desde 2022. Financiamentos que tradicionalmente cobram o IPCA+ também passaram por pressões devido à incerteza sobre a meta inflacionária, levando ao aumento do bônus exigido (o valor positivo após o índice). As altas taxas de juros também encarecem as dívidas previdenciárias que são corrigidas pela Selic.
É necessário analisar o comportamento desses gastos com e sem São Paulo, uma vez que o volume registrado pela capital paulistana afeta a evolução do conjunto. Até 2021, a cidade respondia por quase um quarto das despesas municipais com serviços e amortizações da dívida. Contudo, em março de 2022, o Governo Federal assumiu a propriedade do aeroporto Campo de Marte, avaliado em R$ 23,9 bilhões, cifra equivalente ao saldo devedor da dívida consolidada de São Paulo com a União. Esse acordo, homologado pelo STF, destinou-se à quitação da dívida, resultando na redução das despesas com juros e amortizações do município de R$ 4,43 bilhões, em 2021, para R$ 1,63 bilhão, em 2022, e para R$ 843,3 milhões, em 2023. A diminuição na despesa de São Paulo explica a leve retração do gasto do conjunto dos municípios em 2022 e o menor crescimento constatado em 2023, quando comparado aos dados sem a capital.
Perfil da dívida consolidada dos municípios
O pagamento de juros e amortizações está concentrado nos municípios de maior porte populacional. Conforme o gráfico abaixo, em 2023, aproximadamente 60% dessas despesas pertenciam aos 151 municípios com mais de 200 mil habitantes, proporção que se alinha com a participação dessas cidades no total da dívida consolidada municipal.
Segundo dados do RGF de 5.019 municípios, o estoque da dívida consolidada, ao final de 2023, era de R$ 233,12 bilhões, dos quais 57,8% consistiam em passivos de cidades com mais de 200 mil habitantes. Desse total, R$ 91,02 bilhões correspondem a dívidas com origem em empréstimos e financiamentos (39%); R$ 76,87 bilhões (33%), a débitos previdenciários; e R$ 45,8 bilhões, a precatórios posteriores a 5 de maio de 2000 (19,6%). Juntos, esses três itens compõem 91,7% da dívida consolidada municipal.
O perfil da dívida, contudo, varia conforme o porte populacional dos municípios. Naqueles com menos de 50 mil habitantes presentes na amostra, predominam os débitos previdenciários, representando 66,2% da dívida consolidada, enquanto as operações de crédito concentram 19,1% do montante, e os precatórios, apenas 6,3%. Em contraste, nos municípios com mais de 500 mil habitantes, 51,9% da dívida consolidada são de operações de crédito, 32,2% originam-se em precatórios, e apenas 7,6% estão relacionados a débitos previdenciários.
Em resumo, nos grandes centros urbanos, os desembolsos com o serviço da dívida estão majoritariamente associados a operações de crédito anteriormente contratadas. Já nos municípios de menor porte, os débitos previdenciários são os principais responsáveis por esses gastos.
Vale notar que, entre 2018 e 2023, os municípios intensificaram o uso de empréstimos e financiamentos para alavancarem seus investimentos, o que fez essa modalidade de dívida crescer 55%, excetuando-se desse grupo São Paulo, pelo motivo já exposto. Em 2002, 6,2% dos investimentos nas cidades com mais de 200 mil habitantes (também excluindo desse conjunto a capital paulistana) foram realizados por meio de operações de crédito. Esse índice subiu para 23,6% em 2015 e alcançou 33,9% em 2023. Para mais informações, consulte a seção sobre Investimentos aqui.
Enquanto o saldo devedor das operações de crédito avançou, o da dívida previdenciária e dos precatórios permaneceu basicamente no mesmo patamar, no mesmo período. No entanto, em razão da dificuldade apresentada por diversos municípios em arcar com o pagamento das pendências com o INSS e com seus próprios regimes de previdência, desde novembro de 2023 está tramitando no Congresso Nacional a PEC 66, que amplia o prazo para o parcelamento de tais débitos e determina novas regras para a liquidação de precatórios. Veja sobre a PEC 66 no box cinza mais a baixo.
Peso orçamentário
Embora a despesa com juros e amortizações tenha crescido nos últimos anos, seu peso na receita corrente dos municípios vem se ampliando de forma tímida. Excluindo o município de São Paulo, o indicador fechou o exercício de 2023 em 2,6%, resultado 0,2 ponto percentual acima do registrado em 2022 e 2021 e no mesmo nível apurado em 2019. Além disso, o comprometimento dos municípios era maior na primeira década desse século do que na década seguinte, comportamento bastante atrelado aos níveis das taxas de juros praticadas. Cabe enfatizar que o baixo percentual de 2020, de 1,9%, está relacionado à suspensão dos pagamentos em razão da pandemia da Covid-19.
O acordo do Campo de Marte, explicado anteriormente, fez com que uma parcela relevante do orçamento do município de São Paulo fosse liberada para outras despesas. Como pode ser visto no gráfico a seguir, 5,5% da receita corrente da cidade era alocada para o pagamento dos encargos da dívida, em 2021. Em 2023, já com o acordo plenamente cumprido, apenas 1% da receita corrente da capital foi destinada a pagamentos dessa natureza.
Assim como a despesa com juros e amortizações são mais relevantes à medida que se eleva o porte populacional do município, a importância desse gasto no orçamento público também é maior nas cidades mais populosas, como mostra o gráfico a seguir.
Saiba mais sobre os limites legais para o endividamento público aqui.
Parcelamento das dívidas previdenciárias e precatórios: a PEC 66/2023
Desde novembro de 2023, está tramitando no Congresso Nacional a PEC 66, que amplia o prazo para o parcelamento das dívidas dos municípios com a Previdência Social e determina novas regras para o pagamento de precatórios. A proposta de emenda constitucional passou pelo Senado e foi aprovada na CCJC da Câmara em 29 de outubro de 2024, depois da retirada dos artigos que condicionavam os entes devedores a reformarem seus sistemas de previdência próprios nos mesmos moldes da previdência da União, para poderem aderir ao parcelamento de suas dívidas previdenciárias. Tal condicionante foi considerada inconstitucional.
A PEC dá a possibilidade de as prefeituras parcelarem suas dívidas com o INSS e com os regimes próprios de previdência desde que, nesse último caso, tenham aderido ao Programa de Regularidade Previdenciária do Ministério da Previdência Social em até 15 meses após a data da promulgação da possível EC resultante desta proposta. Os débitos poderão ser, excepcionalmente, parcelados em até 300 prestações mensais, o que corresponde a 25 anos,
Em caso de descumprimento do Programa de Regularidade Previdenciária ou de inadimplência de três meses consecutivos ou seis meses alternados, o parcelamento será suspenso e o município ficará impedido de receber transferências voluntárias da União, inclusive de emendas parlamentares, enquanto perdurar a inadimplência. Os prefeitos também poderão ser penalizados conforme a legislação de responsabilidade fiscal e de improbidade administrativa. A exceção se dá quando a inadimplência ocorrer em razão de queda brusca de receitas ou aumento de despesas não decorrentes de decisões próprias do município. Além disso, para formalizar o parcelamento, os municípios devem autorizar a vinculação das receitas do FPM para os pagamentos das prestações acordadas.
O texto ainda limita o valor do pagamento dos precatórios, que são ordens de pagamento emitidas pela Justiça em desfavor de entes públicos. A PEC 66/2023 fixa um limite de desembolso de 1% da RCL do ano anterior para municípios onde o estoque de precatórios em mora não superar 2% da RCL. Conforme mostra a tabela abaixo, os limites para pagamentos sobem gradativamente até 5%, conforme aumenta o estoque de precatórios em relação à RCL. A partir de 2030, e a cada cinco anos, se verificada mora no pagamento de precatório, os limites acima serão acrescidos de 1/5. Além disso, os municípios, mediante dotação orçamentária específica, poderão efetuar pagamentos de precatórios que superem os limites.
Não havendo o cumprimento das novas regras pela gestão municipal, o Tribunal de Justiça determinará o sequestro dos valores devidos dentro dos limites. Ademais, o município ficará impedido de receber transferências voluntárias enquanto perdurar a omissão, e o prefeito responderá de acordo com a legislação.
A PEC 66/2023 também amplia a desvinculação de receitas dos municípios (impostos, contribuições, taxas, multas e outras receitas correntes), que sobe de 30% até 2032; para 50% até 2025; e mantém-se em 30% de 2026 a 2032. Desses valores, até 40% podem ser usados para o abatimento de dívidas com o RGPS ou precatórios. Continuam excluídos da desvinculação os recursos já vinculados à saúde e à educação, as contribuições previdenciárias e as transferências obrigatórias e voluntárias com destinação especificada em lei.
Essas são as propostas da PEC 66/2023 que estavam em tramitação no Congresso Nacional em outubro de 2024.
Juros e amortizações da dívida | 2019 - 2023
Lista de siglas:
CCJC – Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania
FPM – Fundo de Participação dos Municípios
INSS – Instituto Nacional do Seguro Social
IPCA – Índice de Preços ao Consumidor Amplo
LC – Lei Complementar
PEC – Proposta de Emenda Parlamentar
RCL – Receita Corrente Líquida
RGF – Relatório de Gestão Fiscal
STF – Supremo Tribunal Federal