Despesa com pessoal é impulsionada pelas políticas nacionais de pisos salariais
Desempenho de 2023
A despesa com pessoal dos municípios brasileiros em 2023 totalizou R$ 491,73 bilhões, cifra que representou um aumento real de 8,1% em relação ao ano anterior, expressando um acréscimo de R$ 36,92 bilhões no período analisado.Decompondo-se a estrutura do gasto com pessoal, observa-se que pouco mais de três quartos do aumento se deram em decorrência da expansão das despesas com os servidores ativos, em especial nos vencimentos e vantagens fixas, incluídos os subsídios, que apresentaram um aumento real de 7,6%, elevando a cifra de R$ 293,80 bilhões para R$ 316,21 bilhões – um adicional, portanto, de R$ 22,41 bilhões. Entre os servidores contratados em designação temporária (especialmente os profissionais das áreas de educação e saúde), houve um incremento real de 11,5%, percentual que significa, em números absolutos, um salto de R$ 43,18 bilhões para R$ 48,13 bilhões. As obrigações patronais, que incluem as contribuições ao RGPS, aos RPPS e ao FGTS – no caso de empregados públicos –, registraram acréscimo de 4,3%, passando de R$ 32,13 bilhões para R$ 33,50 bilhões.
As despesas com os benefícios previdenciários reportaram um crescimento real de 8,9%. Nesse grupo, as aposentadorias assinalaram variação positiva de 9,4%, totalizando R$ 70,61 bilhões, enquanto as pensões obtiveram aumento de 5,4%, chegando a R$ 9,78 bilhões. Vale lembrar que o gasto com aposentadorias e pensões ocorre, exclusivamente, nos municípios que têm RPPS. Para aqueles que estão no RGPS, tal custo é realizado pelo INSS.
Salário mínimo e pisos nacionais da educação e da enfermagem
Em 2023, o Governo Federal retomou a política de valorização do salário mínimo[1], concedendo dois reajustes: o primeiro ocorreu já em janeiro, alterando a cifra de R$ 1.212,00 para R$ 1.302,00; e o segundo foi efetivado em maio, elevando-a para R$ 1.320,00. Isso significou um reajuste de 4,1% acima da inflação, em relação a 2022. Por ser um valor piso para a remuneração dos trabalhadores do setor público e privado, aposentados e pensionistas no Brasil, o salário mínimo exerce um impacto direto sobre o gasto com pessoal, especialmente nos municípios de pequeno e médio porte, onde a maior parte dos servidores geralmente ganha próximo dessa referência.
Outro fator que contribuiu para a alta da despesa com pessoal foi o reajuste do Piso Salarial Profissional Nacional para os Profissionais do Magistério Público da Educação Básica (PSPN). Por meio da Portaria 17/2023, o Ministério da Educação alterou o valor do piso de R$ 3.845,63, em 2022, para R$ 4.420,55, o que representou um incremento real de 9,9%, com impacto maior nas cidades com até 200 mil habitantes, onde a média salarial dos professores é próxima ao valor do piso do magistério (veja mais detalhes no texto sobre Educação aqui). Ressalta-se que a política de valorização do piso do magistério tem efeitos para além das carreiras de ensino, servindo também como sinalizador nas reivindicações por reajustes para outras categorias na administração pública municipal.
O ano de 2023 marcou, ainda, a implementação do piso salarial dos profissionais de enfermagem, instituído pela EC 124. Os valores foram fixados pela Lei 14.434/2022, sendo R$ 4.750,00 para os enfermeiros; R$ 3.325,00 para os técnicos de enfermagem; e R$ 2.375,00, para auxiliares de enfermagem e parteiras. São destinados aos pagamentos de trabalhadores dos setores público e privado com carga horária de trabalho de 44 horas semanais, considerando-se o vencimento básico e as gratificações de caráter geral, fixas e permanentes, não incluídas as de cunho pessoal, variável ou transitório (como diárias, gratificação por título, adicional de insalubridade, adicional noturno, abono permanência, auxílio-creche, gratificação por exercício de função, anuênios, triênios e quinquênios, ou semelhantes).
Aprovada em agosto de 2022, a aplicação da lei do piso da enfermagem nos estados e municípios ficou suspensa por decisão do STF até maio de 2023, quando a União definiu as fontes de recurso da assistência financeira complementar para a implementação do piso, instituída pela EC 127/2022. Esse auxílio financeiro foi destinado apenas aos entes que remuneravam seus profissionais abaixo do valor do piso, e até o limite necessário para alcançá-lo. Para evitar que houvesse prejuízos na gestão fiscal dos entes, com a extrapolação imediata dos limites da despesa com pessoal, a EC 127 determinou que o aumento do gasto em decorrência desse piso seja incorporado gradualmente nos RGFs, a cada 10 pontos percentuais, a partir de 2024. É nos RGFs que ocorre a aferição dos limites desse dispêndio.
[1] Em agosto de 2023, o Congresso Nacional aprovou a Lei Federal nº 14.663/2023, que, entre outras medidas, estabeleceu a política de valorização permanente do salário mínimo a partir de 2024. Os reajustes serão anuais e baseados na soma da variação do INPC, acumulado nos 12 meses até novembro, mais a taxa de crescimento real do PIB do país do segundo ano anterior à aplicação do reajuste.
Desempenho por faixa populacional
Quando se observa o gasto com pessoal dos municípios agrupados em faixas populacionais, verifica-se que o conjunto daqueles com mais de 200 mil habitantes vem tendo um ritmo de aumento mais suave que os do grupo abaixo desse porte, tanto no período recente (2023/2022) quanto nos últimos 20 anos, como aponta o gráfico a seguir.
Despesa com pessoal por habitante
O gasto com pessoal per capita apresentou uma elevação real de 8,1% entre 2022 e 2023, passando de R$ 2.271,07 para R$ 2.455,47. Esse resultado refletiu basicamente a variação da despesa com pessoal, uma vez que a população divulgada pelo IBGE para 2023 tem como base o Censo Demográfico de 2022, com pequenos ajustes referentes a limites territoriais.
As cidades de menor porte populacional, com até 20 mil habitantes, são as que sempre registraram as maiores despesas anuais com pessoal per capita. Em 2023, o indicador foi de R$ 2.918,84. Conforme vai aumentando seu porte populacional, o município passa a obter ganhos de escala na prestação de serviços, haja vista que existe um custo mínimo ligado à estrutura básica necessária para o funcionamento dos equipamentos e serviços públicos. Além disso, em cidades de menor porte, a administração pública figura como o mais estável empregador formal e, como tal, acaba por absorver uma grande parte da demanda local por emprego, que, em centros de economia mais dinâmica, é dividida com o setor privado.
Participação na receita corrente e LRF
Em 2023, o desempenho das despesas com pessoal superou com folga o das receitas correntes, que tiveram um crescimento real de 4,3%, o que fez com que a participação desses gastos na receita corrente subisse de 44% para 45,6%, sinalizando uma possível reversão na tendência de redução que havia se iniciado em 2018.
Portanto, deve-se considerar a pressão que será gerada no longo prazo pela manutenção das políticas públicas de valorização salarial na sustentabilidade fiscal dos entes locais, ou a possibilidade de ocorrer o comprometimento de outras políticas públicas de impactos sociais também relevantes, especialmente se o crescimento das receitas correntes não acompanhar o mesmo ritmo das despesas nos próximos anos.
A LC 101/2000 – LRF – fixou limites globais para a despesa total com pessoal em relação à RCL dos entes dos três níveis de governo, individualizados para cada Poder e órgão da administração pública. No âmbito municipal, os limites máximos fixados foram de 54% para o Poder Executivo e de 6% para o Poder Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Município, quando houver. Visando a auxiliar no monitoramento e controle do limite máximo, a LRF também estabeleceu dois sublimites: o limite prudencial (95% do limite máximo) e o limite de alerta (90% do limite máximo), que, no caso dos municípios, equivalem a 51,3% e 48,6% da despesa total com pessoal em relação à receita corrente líquida, respectivamente.
Analisando-se o cumprimento de tais níveis determinados pela LRF, compilados pelo portal Compara Brasil a partir das informações dos RGF encaminhados à STN, observa-se que, em 2023, 57,3% dos municípios estão abaixo do limite de alerta, enquanto outros 13,7% ultrapassaram o limite máximo.
Quando se observa o resultado desde 2021, percebe-se que houve uma melhora no enquadramento dos municípios nos limites em 2022 e uma piora em 2023, com aumento do quantitativo de municípios que ultrapassaram os limites de controle impostos pela LRF. Note-se, no entanto, que a proporção de cidades com dados disponíveis que ultrapassaram o teto máximo em 2023, de 13,7%, foi menor que as 16,7%, de 2021. Como já dito acima, a variação da despesa com pessoal acima do desempenho da receita corrente no ano foi determinante para a piora desses indicadores.
Desoneração da folha de pagamento
Em outubro de 2023, o Congresso Nacional aprovou o PL 334/2023, que prorrogou até o final de 2027 a desoneração da folha salarial para 17 setores[2] da economia. Durante a tramitação, os parlamentares também incluíram a redução de 20% para 8% da alíquota da contribuição previdenciária patronal para os municípios vinculados ao RGPS com até 156.216 habitantes[3].
Iniciou-se então uma queda de braço entre o Executivo e o Legislativo. Considerando o impacto da renúncia fiscal de cerca de R$ 22 bilhões[4] gerado pela nova regra e a ausência de medidas de compensação, o Governo Federal tentou vetá-la, mas o texto foi mantido pelo Congresso, e a Lei 14.784/2023 foi então promulgada. Como último recurso, o Executivo entrou com a ADI 7.633 no STF e publicou a MP 1.202/2023, revogando a diminuição da alíquota da contribuição previdenciária dos municípios e dos 17 setores. Essa medida vigorou até abril, quando o Senado decidiu não prorrogar a validade de parte da MP 1.202/2023, mantendo as desonerações. O STF, por sua vez, no julgamento da ADI, conservou as desonerações em vigor até que Executivo e Legislativo entrassem em acordo com relação à questão e, para isso, estipulou um prazo, inicialmente até 19 de julho. Posteriormente, o prazo foi estendido para 11 de setembro.
Em maio de 2024, o Senado iniciou a tramitação do PL 1.847/2024, que propôs uma transição gradual de três anos para o fim das benesses para os 17 setores. Em agosto, foi incluída no projeto uma emenda que previa uma transição de dois anos para os municípios, sendo mantida a alíquota da contribuição de 8% em 2024, recompondo-a para 12%, em 2025; 16%, em 2026; e 20% (percentual original), a partir de janeiro de 2027. O PL foi aprovado pelo Senado em agosto e pela Câmara em setembro, mês em que ocorreram sua publicação e sanção como Lei 14.973, no dia 16.
A medida aprovada pelo Congresso, ainda que temporária, reduz significativamente as despesas com pessoal dos municípios beneficiados durante os três anos em que estará em vigor (2024-2026). É preciso deixar registrado que, ao estabelecer o porte populacional como único critério para a desoneração da folha, a legislação agrava as desigualdades regionais, beneficiando cidades de pequeno porte populacional e que possuem uma receita orçamentária relativamente robusta, em detrimento de outras que são populosas e com baixa capacidade financeira.
Ademais, os municípios que têm seus RPPS não foram contemplados com tais medidas, ou seja, municípios que abrigam três quartos da população brasileira ficaram de fora da redução.
[2] Os 17 setores beneficiados pela desoneração são os seguintes: confecção e vestuário, calçados, construção civil, call center, comunicação, construção e obras de infraestrutura, couro, fabricação de veículos e carroçarias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, tecnologia da informação (TI), tecnologia da informação e comunicação (TIC), projeto de circuitos integrados, transporte metroferroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas.
[3] O critério de corte populacional utilizado foi a última faixa de coeficiente do FPM, excluindo-se do benefício fiscal as cidades vinculadas ao RGPS que recebem o FPM-Reserva. Ficaram de fora 29 municípios: Araçatuba (SP), Araraquara (SP), Atibaia (SP), Barreiras (BA), Bragança Paulista (SP), Carapicuíba (SP), Ferraz de Vasconcelos (SP), Franca (SP), Ilhéus (BA), Imperatriz (MA), Ipatinga (MG), Itabuna (BA), Lauro de Freitas (BA), Mauá (SP), Nossa Senhora do Socorro (SE), Parauapebas (PA), Parnamirim (RN), Pindamonhangaba (SP), Poços de Caldas (MG), Ponta Grossa (PR), Porto Seguro (BA), Ribeirão das Neves (MG), Santa Bárbara d’Oeste (SP), Santarém (PA), São Caetano do Sul (SP), São Carlos (SP), Sete Lagoas (MG), Sobral (CE) e Vitória da Conquista (BA).
[4] Estimativa inicial do Ministério da Fazenda projetava em R$ 22 bilhões o montante referente à renúncia fiscal com a desoneração. Em julho de 2024, no entanto, a pasta revisou a previsão para algo perto de R$ 18 bilhões: um pouco mais da metade da cifra viria dos 17 setores, e a outra parte, da desoneração dos municípios.
Pessoal | 2019 - 2023
Lista de siglas:
ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade
EC – Emenda Constitucional
FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
FNP – Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos
FPM – Fundo de Participação dos Municípios
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor
INSS – Instituto Nacional do Seguro Social
LC – Lei Complementar
LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal
MP – Medida Provisória
PL – Projeto de Lei
PIB – Produto Interno Bruto
PSPN – Piso Salarial Profissional Nacional para os Profissionais do Magistério Público da Educação Básica
RCL – Receita Corrente Líquida
RGF – Relatório de Gestão Fiscal
RPPS – Regime Próprio de Previdência Social
RGPS – Regime Geral da Previdência Social
STF – Supremo Tribunal Federal
STN – Secretaria do Tesouro Nacional