Novo contexto fiscal para municípios sugere cautela para 2025
Em 2023, o segundo ano consecutivo em que as despesas cresceram mais que as
receitas, municípios reduziram disponibilidades de caixa e passaram por uma piora no
equilíbrio fiscal.
Introdução
As análises apresentadas nesta 20ª edição de Multi Cidades[1] revelam alterações nas condições fiscais dos municípios em 2023, comparativamente ao período de 2020 a 2022. Naquele intervalo, os entes locais obtiveram elevados volumes de disponibilidade de recursos livres e indicadores fiscais positivos e substancialmente melhores que os registrados na década.
Para se entender a configuração do novo contexto que se desenha a partir de 2023, se aprofunda em 2024 e aponta para um futuro desafiador, deve-se partir dos acontecimentos que marcaram o Brasil e as finanças públicas de 2020 a 2022.
Paradoxalmente, os períodos atípicos da pandemia da Covid-19 (2020-2021) e do pós- pandemia (2021-2022) resultaram em melhores condições fiscais para os municípios. Recapitulando as análises já publicadas nas edições anteriores de Multi Cidades, a pandemia produziu, como uma de suas consequências, o corte de despesas em diversas áreas da administração municipal, uma vez que as atividades do setor público e do privado foram suspensas para o enfrentamento da crise sanitária. Houve paralisação total, e depois parcial, das aulas, o que poupou despesas com pagamento de obras, contratação de professores temporários, merenda, transportes, material didático e de consumo.
Na saúde, afora os atendimentos relacionados à Covid-19, adiaram-se procedimentos, exames e cirurgias eletivas. Na cultura e no esporte, uma série de eventos deixaram de ser realizados. Até as Câmaras Municipais economizaram recursos em função da redução do trabalho presencial.
Considere-se ainda que o gasto com pessoal, o maior entre todas as despesas do setor público, ficou contido pela LC 173/2020, aquela que estipulava o congelamento dos ajustes salariais e proibia contratações como contrapartida à concessão dos auxílios financeiros. Essa condição prevaleceu entre maio de 2020 e dezembro de 2021, ocasionando uma queda real de 1,8% no total da despesa com pessoal dos municípios.
O primeiro ano do mandato 2021-2024, como é de praxe, foi marcado por forte redução nos investimentos, ainda mais acentuado em função do enfrentamento da grave crise sanitária. Já considerada a taxa da inflação, os investimentos caíram 17%.
Pelo lado das receitas, o Governo Federal e o Congresso Nacional concederam valores expressivos aos municípios e estados para o combate à pandemia. Vale lembrar ainda que, a partir do segundo semestre de 2021, o avanço da vacinação possibilitou a retomada da economia, o que resultou no incremento da arrecadação de tributos em todos os níveis de governo, especialmente do ICMS, impulsionado também pela majoração das tarifas de energia elétrica e dos preços dos combustíveis.
Somando-se todos os fatores, ou seja, a contenção das despesas, o recebimento de auxílios financeiros e o bom desempenho da arrecadação, o resultado foi um acentuado aumento nas disponibilidades de caixa dos municípios. Nesses dois anos, 2020 e 2021, a receita total apresentou altas de 6,1% e 5,9%, respectivamente, variações que foram mais elevadas que as da despesa total, de 5,4% e 0,8%, para os mesmos exercícios.
Assim, a disponibilidade de caixa líquida apenas com recursos não vinculados e já descontados os restos a pagar cresceu fortemente nesse período, mais que dobrando em 2020 e novamente em 2021, como mostra o gráfico a seguir. Em 2021, 76% dos municípios registraram suficiência financeira (disponibilidade de caixa positiva), uma marca histórica. O comprometimento da receita corrente com as despesas correntes mais as amortizações da dívida (equilíbrio fiscal), chegou ao nível médio de 87,6%, no mesmo exercício, o que se traduziu numa taxa de poupança de 12,4%, um nível muito elevado, considerando a média histórica.
[1] Esta 20ª edição de Multi Cidades foi elaborada ao longo de 2024 utilizando os dados das Prestações de Contas Anuais dos municípios relativos
a 2023, entregues à Secretaria do Tesouro Nacional/Siconfi. Algumas informações de 2024 foram incorporadas em determinados textos, como os do ICMS e do FPM.
Em 2022, já com o arrefecimento da pandemia, os indicadores continuaram positivos no comparativo com anos anteriores. No entanto, as despesas cresceram mais que as receitas. A despesa contabilizou um aumento real de 16,2%, justificado pela retomada dos serviços públicos, pela necessidade de se conceder, aos servidores, reajustes aos salários que estavam havia quase dois anos congelados, pela correção do piso nacional da educação e pela execução de serviços represados, especialmente na saúde.
Os custeios e os investimentos bateram recordes, como reportado em detalhes na 19ª edição de Multi Cidades. Pelo lado das receitas, os municípios sofreram com o recuo de 3,3% nos repasses do ICMS, consequência da Lei Federal 194/2022 que alterou as alíquotas estaduais sobre combustíveis, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo. No entanto, as cidades alcançaram bons desempenhos na arrecadação de seus tributos próprios, com destaque para o ISS e o IRRF, e no recebimento do FPM e das transferências de capital dos estados. O saldo foi um crescimento real de 9,1% na receita total, variação significativa, mas abaixo do aumento da despesa.
No ano seguinte, 2023, a despesa continuou em alta, e o exercício encerrou-se com aumento real de 9,1%, enquanto a receita subiu 5,4%. Dessa forma, consumiu-se uma parte da disponibilidade de caixa, que passou de R$ 79 bilhões, em 2022, para R$ 51 bilhões, em 2023. A proporção de cidades com suficiência financeira desceu de 71% para 62% e o indicador de comprometimento da receita corrente subiu de 90,4% para 94,3%.
Em razão da redução da taxa de poupança em 2023 para 5,7%, além do fato de 2024 ter sido o último do mandato, é bastante provável que as gestões municipais tenham consumido boa parte de suas suficiências de caixa e que iniciem 2025 em condições fiscais muito diferentes daquelas vigentes em 2021, ainda que as receitas tenham obtido crescimento.
A nova trajetória delineada a partir de 2022, aponta para um contexto mais restritivo a partir de 2025, caracterizado por um menor volume de recursos livres disponíveis e por pressões para o crescimento das despesas, com destaque para os custeios e pessoal. Assim, é provável que o número de cidades com insuficiência de caixa e redução das margens de geração de poupança continuará subindo, cenário que poderá ser amenizado pela expansão da arrecadação nos três níveis de governo, mas que, mesmo assim, exigirá cautela por parte dos governantes que estão assumindo as prefeituras em 2025.
Assim, esta 20ª edição de Multi Cidades pretende contribuir para a compreensão do contexto fiscal que trouxe os municípios ao final de 2024, avaliando cada um dos principais itens de suas receitas e despesas.