Receita com o IPVA muda de patamar com o desempenho do biênio 2022-2023          

A exemplo do ano anterior, em 2023 as receitas municipais com o IPVA  registraram novo crescimento. O avanço de 18,3% foi turbinado pela valorização dos veículos.

Desempenho em 2023

A receita dos municípios brasileiros com o IPVA cresceu de forma significativa por dois anos consecutivos. Após a variação real positiva de 13,8%, em 2022, o indicador obteve um aumento ainda maior em 2023, de 18,3%, resultando em uma arrecadação de R$ 39,96 bilhões. A cifra equivale a 58% do recolhimento do IPTU.

Como mencionado na edição anterior de Multi Cidades, vários fatores ajudam a explicar essa guinada recente do IPVA, mas nenhum deles foi mais decisivo que o descasamento entre a capacidade produtiva e a quantidade demandada de veículos, causado inicialmente pela pandemia da Covid-19.
Esse descasamento causou uma pressão nos preços, que subiram substancialmente nas concessionárias e trouxe consigo, ainda, o encarecimento dos veículos seminovos, que, em efeito cascata, reverberou em toda a frota nacional. Como o IPVA normalmente é calculado com base no valor do carro no ano anterior, as receitas de 2022 e 2023 se alicerçavam nos preços praticados em 2021 e 2022, respectivamente, quando esses valores
ainda estavam sensivelmente altos. Apenas em 2023, que será base de cálculo para o IPVA de 2024, os preços dos veículos usados começaram a ceder, ainda assim em um ritmo inferior ao da valorização dos anos anteriores.

A arrecadação do imposto no primeiro semestre de 2024 confirma essa tendência. Segundo o portal Compara Brasil, que compila, organiza e divulga dados coletados na Secretaria do Tesouro Nacional, nos primeiros seis meses de 2024 as receitas de IPVA das 27 Unidades da Federação superaram em apenas 1,5% o volume auferido em 2023, em valores corrigidos da inflação. Se por um lado o ritmo de crescimento arrefeceu, o desempenho no semestre ratifica a mudança de patamar do produto da arrecadação do IPVA no país.

Cabe ressaltar que o IPVA é um imposto de competência exclusiva dos estados e do Distrito Federal, porém 50% de seu recolhimento pertence aos
seus respectivos municípios. O montante recebido por cada município corresponde aos veículos emplacados em seu território, não restando a esse
ente subnacional, portanto, qualquer gerência sobre a legislação, arrecadação e transferência desses recursos. Essa conformação deixa a municipalidade exposta tanto às flutuações de mercado quanto às medidas estaduais que ampliem ou reduzam o produto da receita do IPVA.

Ainda em 2023, é possível identificar que a elevação da arrecadação, em maior ou menor intensidade, ocorreu em todos os estados, na comparação com 2022. A exceção foi o Rio Grande do Sul, onde a alta foi relativamente menor, de 4,9%. Por outro lado, as ampliações mais significativas foram verificadas em Minas Gerais (37,5%) e Amazonas (44,7%).

No caso do Amazonas, a expansão mais intensa é explicada pela decisão do Governo do Estado de majorar a alíquota em meio ponto percentual para motocicletas, veículos de passeio e carros comerciais leves, entre outros. As alíquotas foram fixadas em 2,5% para veículos com até mil cilindradas e em 3,5% para aqueles que superassem essa potência [1] [2].

Em Minas Gerais, após a congelamento da base de cálculo em 2020 para a aplicação do IPVA de 2022, a utilização da tabela Fipe de 2022 para o recolhimento do IPVA de 2023 causou um efeito rebote no qual a valorização dos veículos foi finalmente incorporada à arrecadação.

No Rio Grande do Sul, dois fatores ajudam a explicar o crescimento mais tímido. O primeiro deles é a expansão da política da concessão de descontos, tanto para bons condutores quanto para cidadãos cadastrados no programa Nota Fiscal Gaúcha [3]. O segundo fator, embora não tenha efeitos econômicos. diretos, reflete-se nas demonstrações fiscais: uma parcela menor de contribuintes pagou o IPVA de 2024 ainda em dezembro de 2023, em comparação ao número de pessoas que quitaram o imposto de 2023 em dezembro de 2022 em busca de descontos.

Com o bom desempenho da arrecadação do tributo, tanto as grandes metrópoles brasileiras quanto as cidades com quantitativo elevado de veículos emplacados se viram em uma condição muito favorável no recebimento de suas quotas-partes do IPVA, especialmente aquelas localizadas nos estados que lideraram o ranking de crescimento. São os casos de Goiânia e Manaus, onde as receitas de R$ 570,7 milhões e R$ 361,5 milhões, respectivamente, contaram, cada uma, com cerca de R$ 110 milhões de recursos adicionais em 2023, em relação a 2022.

Os três municípios no topo do ranking nacional de receitas com o IPVA seguem sendo São Paulo (R$ 4,22 bilhões), Belo Horizonte (R$ 1,46 bilhão) e Rio de Janeiro (R$ 1,18 bilhão). Nessas capitais, o montante acrescido em relação a 2022 foi de R$ 572,5 milhões, R$ 410,7 milhões e R$ 129,7 milhões, respectivamente.

Chama atenção o fato de que, desde 2020, a capital mineira tenha superado a fluminense no ranking de maiores receitas com o IPVA mesmo tendo menos de 40% de sua população. Esse caso é reflexo de duas normas estaduais. Pelo lado mineiro, pesa a Lei Estadual nº 14.937/2003, a qual concede, desde 2004, benefícios fiscais para locadoras de veículos que emplacam suas frotas em Minas Gerais. Segundo nota do próprio Governo mineiro publicada na imprensa, 67% dos veículos de locadoras do país estão emplacados em Minas Gerais [4].  Adicionalmente, duas das maiores empresas em âmbito nacional desse segmento têm suas sedes em Belo Horizonte. Já pelo lado fluminense, contribui para esse resultado a adoção de uma alíquota de 1,5% para carros movidos a gás natural veicular, em contraponto à alíquota padrão de 4% para veículos equipados com motores a combustão e alimentados por outros combustíveis. Isso faz com que parcela significativa dos veículos que circulam na capital fluminense recolham o imposto com alíquota reduzida.

Participação na receita corrente

Com o bom desempenho recente do IPVA, aumentou a relevância do imposto na formação da receita municipal. Em 2021, o tributo foi responsável por 3,1% das receitas correntes, participação que subiu para 3,3%, em 2022, e para 3,7%, ao final do exercício de 2023. Esse indicador é ligeiramente mais elevado nos municípios de maior contingente populacional, chegando a representar 5% dos recursos correntes nos municípios com mais de 500 mil habitantes, ao passo que cai gradativamente à medida que os grupos de municípios definidos por Multi Cidades reúnem localidades de menor porte populacional, até posicionar-se em 2% nos estratos com população inferior a 20 mil residentes.

A maior concentração de veículos relativamente à população, como pode ser visto no gráfico ao lado, é uma das razões que explicam essa disparidade de relevância do imposto entre os municípios. Outro fator preponderante a ser considerado é a própria formação da receita corrente municipal, uma vez que, nos estratos com menor número de residentes, a importância das transferências do FPM e da quota-parte municipal no ICMS é tão elevada que as demais receitas perdem espaço relativo no orçamento (veja mais sobre o FPM e o ICMS). De forma inversa, quanto maior o porte populacional de uma cidade, mais diversificadas se tornam suas receitas, e o peso das transferências da União e dos Estados é diluído.

IPVA municipal por veículo

Com a disparada na arrecadação do tributo ocorrida no último biênio, o valor da quota-parte municipal do IPVA por veículo no país chegou a R$ 341,12, em 2023, indicador que superou em 14,2% o registrado em 2022 e em 25,8% o resultado de 2021, quando relatou seu menor nível desde 2002, de R$ 271,14. Mesmo com o avanço recente, a receita do imposto por veículo não superou a cifra de 2012 e continua significativamente abaixo do seu pico, de R$ 380,39, em 2009.

Segundo dados divulgados pelo Sindipeças em seu último Relatório da Frota Circulante, a idade média da frota no Brasil sobe continuadamente desde 2014, quando era de oito anos e cinco meses, chegando a dez anos e oito meses em 2023 [5].

A elevação da idade média da frota nacional revela que circulamos em veículos mais depreciados, que consequentemente recolhem cada vez menos impostos. Por esse aspecto, a não renovação em ritmo adequado da frota compromete um dos vetores de crescimento do IPVA por emplacamento e, por isso, a curva desse indicador é decrescente desde então, como observado no gráfico anterior. A ascensão alcançada em 2022 e 2023 pode ser entendida como uma exceção na tendência predominante, explicada pelos fatores já mencionados de valorização dos veículos num contexto de desarticulação da produção.

Se em 2023 a arrecadação por veículo fosse a mesma daquela apurada em 2009, ou seja, de R$ 380,39, a receita municipal com o IPVA seria de R$ 44,56 bilhões, o que configuraria em um volume de recursos adicionais de R$ 4,60 bilhões para o conjunto dos municípios.

Outro fator que acentua ainda mais essa realidade está na composição da frota nacional de veículos. A trajetória expõe claramente um crescimento da representatividade das motos, que em 2023 chegou a 27,4% do conjunto, em detrimento dos automóveis (51,8%) e caminhões (3,3%). As motos registram um valor menor, por isso pagam menos IPVA e ajudam a arrefecer a arrecadação do tributo por emplacamento.

[5] https://www.sindipecas.org.br/area-atuacao/?co=s&a=frota-circulante

IPVA municipal | 2019 - 2023

Lista de siglas:

IPVA – Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores.

IPTU – Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana.

FPM – Fundo de Participação dos Municípios.

ICMS – Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação.

Sindipeças – Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores.