Piso Nacional do magistério eleva os gastos com a educação

Com percentual de reajuste superior à variação das receitas vinculadas à educação,
a política nacional de valorização do piso do magistério teve como consequência a
destinação de uma parte maior dos recursos ordinários do tesouro municipal para o
pagamento dessa despesa.

Desempenho em 2023

O ano de 2023 apresentou uma considerável expansão das despesas municipais com educação. Os gastos com a pasta saltaram de R$ 285,20 bilhões, em 2022, para R$ 304,97 bilhões, em 2023, acumulando 6,9% de crescimento real.

Comparado à alta do ano anterior, de 21,6 % – a maior taxa de elevação do gasto com educação em toda a série histórica iniciada em 2002 –, o resultado de 2023 pode parecer pouco expressivo, mas superou o desempenho das receitas correntes no mesmo exercício, que tiveram aumento real de 4,3%.

Antes de mencionar os fatores que contribuíram com a trajetória do dispêndio, convém analisar o comportamento das fontes de recursos destinadas à função em 2023. As transferências recebidas via Fundeb, principal fonte de financiamento da educação municipal, registraram acréscimo real de 1,9% em relação ao ano anterior e totalizaram R$ 167,73 bilhões, respondendo por 55% do montante consumido. Descontando-se a parcela das receitas municipais que são destinadas à formação do Fundeb, houve um saldo líquido positivo de R$ 91,66 bilhões. Ou seja, as cidades receberam mais recursos do que enviaram via Fundeb. O saldo líquido foi R$ 3,73 bilhões superior, ou 4,2% maior, no confronto com o do ano anterior.

Além do Fundeb, outras verbas federais são distribuídas aos municípios por meio do FNDE. A de maior vulto é o salário-educação, recurso recolhido das empresas, via folha de pagamento, que totalizou R$ 10,01 bilhões, 8,6% a mais do que o recebido em 2022. As outras transferências do FNDE, como as destinadas ao Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar, ao Programa Nacional de Alimentação Escolar e outros, somaram R$ 5,73 bilhões, um incremento de 60,3% em relação a 2022. Juntas, as transferências via FNDE responderam por 5,2% da despesa e subiram 23,1%, em 2023, adicionando R$ 2,95 bilhões à educação municipal.

As transferências voluntárias, que incluem todas as transferências de convênio (corrente e de capital) da União, dos estados e entre municípios alocadas na educação, representaram uma parte muito tímida do orçamento municipal para a área, de apenas 1,8%, em 2023. Esse conjunto de recursos sofreu redução de 10,2% em relação a 2022, fixando-se em R$ 5,59 bilhões, cifra que representou R$ 635,6 milhões a menos no período analisado. A queda teve origem no volume encaminhado pelos governos estaduais, que auferiu R$ 4,28 bilhões, quantia 26,0% inferior à do exercício antecedente. Já os repasses da União tiveram variação positiva de 206,3% no mesmo intervalo, totalizando R$ 1,29 bilhão. A parte amplamente predominante dessa cifra (93,1%) foi aportada para a realização de despesas de capital, como obras e aquisição de equipamentos e materiais permanentes, entre outras.

Por fim, houve um aumento de 14,0% na parcela mais significativa do financiamento da educação em âmbito local, que são as fontes próprias do Tesouro municipal, saltando de R$ 102,64 bilhões para R$ 115,92 bilhões, um adicional de R$ 14,23 bilhões. Esses recursos próprios, que incluem tanto os vinculados quanto os ordinários, responderam por 38% da despesa no setor, no ano em relato.

Voltando à análise sobre o avanço do gasto educacional em 2023, dois fatores principais influenciaram esse desempenho. O primeiro deles foi o reajuste nominal de 14,9% no Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN) para os profissionais do magistério público da educação básica, por meio da Portaria 17/2023 do Ministério da Educação. O valor do piso passou de R$ 3.845,63, em 2022, para R$ 4.420,55, em 2023. Considerando-se os efeitos da inflação no período, o piso do magistério teve uma elevação real de 9,9%, quase cinco vezes superior à variação das transferências do Fundeb, principal fonte de financiamento das despesas com pessoal da educação, o que obrigou os municípios a destinarem uma parte maior dos recursos ordinários do tesouro para honrar o pagamento desse dispêndio.

O piso do magistério, instituído pela Lei Federal 11.738/2008, é um valor mínimo que deve ser pago aos profissionais da categoria na educação básica da rede pública, tendo como referência os docentes com nível médio completo, na modalidade Normal, em início de carreira, para a jornada de, no máximo, 40 horas semanais. Aqueles com jornada menor recebem proporcionalmente à carga horária trabalhada. 

Apesar de o foco da política do piso do magistério ser a valorização dos docentes com nível médio completo, há também um efeito indireto, ainda que em menor magnitude, sobre a remuneração paga aos demais docentes com nível superior, a fim de garantir a diferenciação de salários entre as duas carreiras.

De acordo com a Lei Federal 11.738/2008, o piso deveria ser reajustado anualmente, no mês de janeiro, tendo como base a variação do Valor Mínimo por Aluno Ano do Fundeb dos dois últimos anos, previsto na Lei Federal 11.494/2007. Entretanto, com a sanção da Lei Federal 14.113/2020, que regulamenta o novo Fundeb, a Lei Federal 11.494/2007 foi revogada e, com ela, a base de cálculo para o reajuste do piso do magistério. Por essa razão, alguns entes têm judicializado os reajustes aplicados pelo Ministério da Educação por meio das portarias, por ausência de base legal válida. Visando a pacificar a questão, a Procuradoria-Geral da República ingressou no STF com a Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.516/DF, cuja relatoria foi distribuída ao ministro Gilmar Mendes. Até o fechamento desta edição, a ADI ainda aguardava julgamento.

Esse efeito pode ser mais bem visualizado quando avaliamos o comportamento do gasto com educação agregando os municípios por porte populacional. Observa-se no gráfico abaixo que, no início da série histórica, a despesa dos municípios com até 200 mil habitantes apresentava um padrão de avanço similar ao dos municípios maiores. Entretanto, desde a instituição do piso do magistério, em 2009, houve um descolamento das cidades pequenas e médias, cujo crescimento se realinhou com o ritmo de expansão do piso. Em 2023, a alta média da despesa com educação dos municípios com até 200 mil habitantes ficou em 9,37 %. Já naquelas com mais de 200 mil habitantes, posicionou-se em 7,1 %, bem mais perto da variação da receita corrente, de 4,3%.

É provável que, entre os municípios com população até 200 mil habitantes, a média salarial dos professores fique próxima ao valor do piso do magistério. Dessa forma, sempre que há um reajuste no piso, ocorre um efeito transbordamento sobre o crescimento da despesa com educação, de magnitude quase idêntica. O mesmo não é visto entre aqueles com mais de 200 mil habitantes, onde a média salarial dos servidores geralmente já é mais elevada que o piso, fazendo com que o impacto do reajuste possa ser diluído na despesa do grupo.

O segundo fator que impactou o desempenho geral dos municípios, mas em menor grau e incidência, pois se direcionou a um grupo específico, foi a finalização da recomposição do saldo financeiro que não pôde ser aplicado na educação em 2020 e 2021. Conforme estabelecido pela EC 119/2022, em razão da brusca alteração no funcionamento das escolas durante o período pandêmico, os entes subnacionais que não alcançaram a aplicação mínima de 25% dos recursos vinculados nesse período deveriam executar a complementação do saldo deficitário, excepcionalmente, até o fim de 2023, para não incorrerem em penalidades aos gestores. O descumprimento ao mínimo constitucional foi constatado em 377 municípios no ano de 2020 e em 1.075 em 2021, respectivamente, de acordo com informação da Atricon [1].

A aprovação da EC 119 foi uma conquista municipalista liderada pela FNP, que mobilizou prefeitos e prefeitas em articulação com diversas esferas de poder para garantir a aplicação responsável dos recursos educacionais. Em 2021, a FNP organizou uma força-tarefa suprapartidária, apresentando dados consistentes aos parlamentares e ministérios para destacar a urgência da PEC. Esse movimento foi crucial para sensibilizar os parlamentares e assegurar a recuperação de mais de R$ 4 bilhões para a educação.

[1] https://atricon.org.br/atricon-alerta-quanto-ao-cumprimento-do-disposto-na-ec-119-2022

Gasto por aluno

O aumento da despesa com educação impactou o gasto médio por aluno, cuja média anual passou de R$ 12.271,92, em 2022, para R$ 13.078,12, em 2023, o que representou um incremento real de 6,6 % no período. 

Nota-se que o número de matrículas municipais tem se mantido estável há mais de duas décadas, alcançando, em 2023, o total de 24.284.074 alunos. Ao longo da série histórica, de 2002 a 2023, a taxa média de crescimento das matrículas na rede municipal foi de apenas 0,05% ao ano. Essa relativa estabilidade no indicador garante à trajetória do gasto por aluno uma transmissão quase automática da variação da despesa com educação, como se observa no gráfico abaixo.

Vale ressaltar que essa cifra por estudante não se distribui de forma homogênea entre os municípios. Naqueles com população até 100 mil habitantes, a despesa média anual por aluno é inferior à nacional. Em contrapartida, entre as cidades com mais de 100 mil habitantes, esse componente ultrapassa a média nacional, com destaque para a faixa que agrega os 40 municípios com mais de 500 mil moradores, onde o valor médio por aluno foi de 22% maior que a média. 

Há diversos fatores que ajudam a explicar essa diferença, como o porte populacional, a localização geográfica, a capacidade de arrecadação tributária, a geração de riqueza interna e a existência local de educação privada, entre outros. Essas variáveis interferem na dinâmica da organização da oferta dos serviços de educação nos municípios. Nas grandes cidades, que possuem uma dinâmica econômica mais robusta e múltipla, a estrutura salarial de um mercado de trabalho economicamente mais ativo incentiva uma maior presença da rede privada no atendimento às demandas da educação, o que absorve parte da demanda municipal e, por consequência, reduz o quantitativo nas redes municipais, elevando o gasto por aluno.

Despesa com Educação | 2019 - 2023

Lista de siglas:

Atricon – Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil

EC – Emenda Constitucional

FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

FNP – Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos

Fundeb – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação

PEC – Proposta de Emenda Constitucional

STF – Supremo Tribunal Federal