
Regras de repasses aos Legislativos municipais
14 de novembro de 2024
Como o FPM é formado e distribuído
19 de novembro de 2024Entendendo o financiamento da educação no Brasil
1 – Os mínimos constitucionais
O financiamento da educação pública está estabelecido na Constituição Federal e assenta-se na vinculação de parte da arrecadação de tributos da União, dos estados e dos municípios, visando a garantir uma fonte permanente de recursos para o custeio das ações de manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE), conforme estabelecido no artigo 212. Essas ações referem-se, por exemplo, à remuneração e aperfeiçoamento dos professores e demais profissionais da educação; à aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino; ao uso e manutenção de bens e serviços vinculados ao ensino; à aquisição de material didático-escolar; e à manutenção de programas de transporte escolar, entre outras detalhadas nos artigos 70 e 71 da Lei Federal 9.394/1996 (LDB).
A União tem a obrigação de aplicar em ações de MDE 18% de sua receita bruta de impostos (II, IE, IR, ITR, IPI, IOF, IOF-Ouro), enquanto os estados estão sujeitos a destinar 25% de sua da receita bruta resultante da arrecadação de impostos (ICMS, IPVA, ITCMD e IRRF) e transferências (FPE, IPI-Exportação e IOF-Ouro). Nos municípios, o percentual é similar ao dos estados, ou seja, no mínimo 25% de toda sua receita bruta proveniente das arrecadações de impostos (IPTU, ITBI, ISS e IRRF) e transferências constitucionais (FPM, ICMS, IPI-Exportação, ITR, IPVA e IOF-Ouro). Incluem-se ainda no cálculo as receitas da dívida ativa tributária relativa aos impostos mencionados, bem como juros e multas incidentes.
A fiscalização da aplicação desses recursos é feita pelos Tribunais de Contas, que utilizam para tal as publicações bimestrais do RREO. Visando ao princípio da transparência com o gasto público, a legislação federal também determina que as despesas com MDE sejam divulgadas anualmente no Siope, operacionalizado pelo FNDE. Veja mais sobre o FNDE aqui.
Caso algum dos entes não cumpra a aplicação mínima dos recursos na educação, tanto o mandatário – presidente, prefeito ou governador – quanto o próprio ente estarão sujeitos a várias implicações, tais como:
a) parecer desfavorável às contas pelo Tribunal de Contas, que, se mantido pelo Poder Legislativo, poderá sujeitar o mandatário à inelegibilidade por cinco anos (LC 64/1990, artigo 1º, I, g);
b) impedimento de receber auxílios/subvenções/contribuições dos demais entes (Lei Federal 9.394/1996, artigo 87, § 6º);
c) impedimento de contratar empréstimos e financiamentos, exceto de antecipação de receita orçamentária (Resolução do Senado Federal 78/98, artigo 13, VIII);
d) intervenção pela União ou pelo Estado, quando o descumprimento for, respectivamente, pelos estados ou pelos municípios (Constituição Federal, artigo 35, III);
e) imputação de crime de responsabilidade à autoridade competente (Lei Federal 9.394/1996, artigo 5º, § 4º); e
f) impedimento de receber transferências voluntárias de outros entes da federação, exceto para as áreas de saúde, educação e assistência social (LC 101/2000, artigo 25, § 1º, IV, b).
2- Fundeb
O Fundeb é um fundo de natureza contábil no âmbito de cada Estado, em que as receitas estaduais e as de seus respectivos municípios são subvinculadas e redistribuídas de acordo com o número de matrículas na educação básica de cada ente. A União participa do Fundeb de forma complementar.
A distribuição dos recursos é feita obedecendo-se à divisão de atuação prioritária na educação básica, conforme estipulado no artigo 211 da Constituição Federal. De acordo com o regramento, as cidades recebem os repasses proporcionalmente ao número de alunos matriculados na educação infantil e no ensino fundamental, e os estados, em relação às matrículas dos ensinos fundamental e médio.
O Fundo é parte de uma política pública de melhoria e valorização da educação pública iniciada em 1996 com a criação do Fundef, por meio da EC 14/1996, que vigorou entre 1997 e 2006, contemplando a educação fundamental e a valorização do magistério. Em 2006, por intermédio da EC 53/2006, o Fundef foi ampliado para abranger toda a educação básica, passando a se chamar Fundeb, com vigência no período de 2007 a 2020. A partir de 2020, com a EC 108/2020, o Novo Fundeb se tornou uma política pública permanente, sendo regulamentado pela Lei Federal 14.113/2020.
O Fundeb é formado por 20% das receitas municipais de FPM, quota-parte no ICMS, IPI-Exportação, quota-parte do ITR, quota-parte no IPVA e IOF-Ouro. Os estados também contribuem com outros 20% de suas receitas provenientes do FPE, ICMS, IPI-Exportação, IPVA e ITCMD. Esses percentuais foram mantidos na reformulação do Fundeb, por meio da EC nº 108/2000.
Com relação à complementação por parte da União, o Novo Fundeb estabeleceu a parcela de 23% em relação ao somatório das contribuições dos estados e municípios ao Fundo. Essa complementação da União, que até 2020 era de 10%, está sendo ampliada gradualmente. Passou para 12%, em 2021; para 15%, em 2022; para 17%, em 2023; e para 19%, em 2024. E será de 21%, em 2025, e de 23%, a partir de 2026. Esses montantes são direcionados às unidades da federação onde o valor por aluno não atinge o mínimo estabelecido nacionalmente. Ressalta-se que a União não poderá utilizar a receita do salário-educação para a complementação do Fundeb, e está autorizada a alocar, no máximo, 30% do valor da complementação para cumprimento do seu percentual mínimo de aplicação em MDE.
A Lei 14.113/2020 também estabeleceu que os 23% da complementação da União devem ser repassados em três modalidades:
a) complementação-VAAF: 10% no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, sempre que o valor anual por aluno (VAAF) não alcançar o mínimo definido nacionalmente;
b) complementação-VAAT: no mínimo, 10,5% em cada rede pública de ensino municipal, estadual ou distrital, sempre que o valor anual total por aluno (VAAT) não alcançar o mínimo definido nacionalmente. Do total recebido da
complementação-VAAT, no mínimo 15% deverão ser aplicados em despesas de capital, e 50%, na educação infantil;
c) complementação-VAAR: 2,5% nas redes públicas que, cumpridas condicionalidades de melhoria de gestão, alcançarem evolução de indicadores de atendimento e de melhoria da aprendizagem com redução das desigualdades, nos termos do sistema nacional de avaliação da educação
básica.
O Fundeb também segue regras que orientam sobre a aplicação de seus recursos. Desde 2021, no mínimo 70% do total transferido pelo Fundo tem de ser destinado à remuneração dos profissionais da educação básica [1] em efetivo exercício. O restante deve ser utilizado em outros custos de manutenção e desenvolvimento da educação básica, tais como aquisição e funcionamento das instalações e dos equipamentos necessários ao ensino, uso e conservação de bens e serviços, material didático e transporte escolar. Pelo menos 15% dos recursos do Fundo precisam ser investidos em despesas de capital, como obras e aquisição de equipamentos.
Outra mudança no financiamento da educação com a EC 108/2000 se deu nos critérios de distribuição da parcela da arrecadação do ICMS dos estados aos municípios, determinados pela Constituição Federal em seu artigo 158, inciso IV, parágrafo único. Com a nova regra, dos 25% da arrecadação de ICMS a serem transferidos pelos estados aos seus respectivos municípios – a chamada quota-parte municipal no ICMS –, 10% da distribuição desse recurso, no mínimo, deverão considerar indicadores de melhoria nos resultados de aprendizagem e de aumento da equidade na rede do município, levando-se em conta o nível socioeconômico dos alunos; 65% deverão ser rateados de acordo com o valor adicionado fiscal; e o restante obedecerá a critérios predefinidos livremente em lei estadual.
A EC 108/2020, ao introduzir critérios de qualidade em educação na distribuição do ICMS, pretendeu gerar um estímulo indutor. Ou seja, à medida que a melhoria nos índices de qualidade na educação gere maiores receitas de ICMS, os municípios passariam a dar grande atenção à área. No entanto, há dois efeitos indesejados: 1) municípios com baixos índices de qualidade do ensino tenderão a perder recursos, o que poderá influenciar negativamente ou tornar dificultoso o alcance de um melhor padrão educacional; 2) o novo critério deverá acentuar as desigualdades distributivas já existentes, considerando-se o indicador de ICMS por habitante entre os municípios. As diferenças serão particularmente acentuadas nos estados que definiram a divisão dessas cifras sem considerar o número de alunos em cada rede municipal, o que drenará ainda mais recursos para municípios de menor porte populacional e com reduzido número de alunos, agravando a já escassa receita per capita nas cidades médias e grandes. Veja uma análise sobre esses efeitos no texto sobre o ICMS municipal, aqui.
Atenta a esses efeitos, a FNP protocolou, em 22 de agosto de 2024, um pedido ao STF para atuar como Amicus Curiae na ADI 7.630, ajuizada em abril pelo PCdoB, que questiona a Lei 24.431/2023 de Minas Gerais. Na ADI, o partido argumenta que a lei mineira é inconstitucional e contraria os objetivos das mudanças trazidas pela EC 108, uma vez que cria uma disparidade substancial de recursos por aluno entre as redes municipais e não garante que municípios que alcançarem os melhores desempenhos educacionais serão os que receberão as maiores quantias por aluno.
Como última observação, critérios com objetivos de incentivar determinadas políticas públicas deveriam ser adotados com parcimônia e precisam ser revisados com o tempo, a fim de se comprovar a sua eficácia ou verificar se o seu efeito indutor chegou ao limite, condição que o tornará ineficaz ou, possivelmente, causador de desvios distributivos.
[1] A Lei Federal nº 14.113/2020 conceitua profissionais da educação básica como docentes, profissionais no exercício de funções de suporte pedagógico direto à docência, de direção ou administração escolar, planejamento, inspeção, supervisão, orientação educacional, coordenação e assessoramento pedagógico, e profissionais de funções de apoio técnico, administrativo ou operacional, em efetivo exercício nas redes de ensino de educação básica.
3- Salário-educação
O salário-educação é uma contribuição social de 2,5% recolhida sobre a folha de pagamento das empresas e voltada ao financiamento adicional de ações de desenvolvimento da educação básica pública. Além de poderem ser aplicados em despesas consideradas de MDE, os valores são alocáveis no financiamento do programa suplementar de alimentação escolar e na aquisição de uniformes escolares, sendo vedada seu aporte para o pagamento de pessoal. Os recursos arrecadados do salário-educação são repartidos entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, da seguinte forma:
a) 10% são destinados diretamente ao FNDE (veja mais sobre o FNDEaqui);
b) 30% pertencem à União, que repassa esse montante ao FNDE para ser aplicado no financiamento da da educação básica, visando também à redução das desigualdades socioeducacionais entre as diversas regiões do país;
c) 30% pertencem aos estados e 30%, aos municípios, creditados todo mês até o dia 10, automaticamente, nas contas bancárias dos entes, de acordo com o número de matrículas.
Até 2023, os recursos do salário-educação eram divididos observando-se o Estado de origem da arrecadação, o que gerava grandes distorções entre os entes da federação. Conforme informações do Ministério da Educação, enquanto alguns recebiam mais de R$ 800 por matrícula da educação básica, outros embolsavam apenas R$ 55 por matrícula [2]. Contudo, após o julgamento pelo STF da ADPF 188, pacificou-se o entendimento de que as quotas estaduais e municipais devem se guiar apenas pelo quantitativo de alunos matriculados no sistema de educação básica, uniformizando, a partir de 2024, o valor do salário-educação distribuído em todo o território nacional.
[2] Disponível em: <https://www.gov.br/mec/pt-br/areas-de-atuacao/eb/financiamento-da-
educacao-basica/salario-educacao>.
4 – FNDE
As ações do MEC relacionadas à educação básica são executadas por meio do FNDE. O Fundo tem por finalidade captar os recursos financeiros e direcioná- los para o financiamento de projetos, de acordo com as diretrizes do planejamento nacional da Educação, que vão desde os projetos de melhoria da infraestrutura das escolas até a execução de políticas públicas, além da prestação do auxílio financeiro e técnico aos municípios. A principal fonte de recursos do FNDE é o salário-educação, mas o Fundo também recebe receitas de outras fontes, como os impostos das loterias. Os principais programas sob a gestão do FNDE são:
a) Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE): garante os recursos para a compra de alimentação nutricionalmente saudável para os estudantes, com parte dos produtos comprados de agricultores
locais;
b) Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE): assegura a compra de materiais e equipamentos permanentes e reparos na infraestrutura das escolas;
c) Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate): proporciona as verbas para custear as despesas com transporte, especialmente em regiões rurais;
d) Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e Programa Nacional da Biblioteca da Escola (PNBE): garantem que os livros didáticos e literários cheguem às escolas do Brasil.
5 – Transferências voluntárias
As transferências voluntárias são todas as transferências correntes de convênio da União, dos estados e entre municípios e todas as transferências de capital entre os entes da federação que são destinadas à educação.
Diferentemente das transferências diretas, que são repassadas por força de lei ou da Constituição de forma automática, as transferências voluntárias dependem da assinatura de um convênio entre os entes federados envolvidos para que estes possam recebê-las. Sua aplicação fica restrita aos termos pactuados.
Lista de siglas
ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
EC – Emenda Constitucional
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FNP – Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos
Fundeb – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação
Fundef – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
de Valorização do Magistério
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LC – Lei Complementar
MEC – Ministério da Educação
MDE – Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
PCdoB – Partido Comunista do Brasil
RREO – Relatório Resumido de Execução Orçamentária
Siope – Sistema de Informação sobre Orçamentos Públicos em Educação
STF – Supremo Tribunal Federal
VAAF – Valor Anual por Aluno
VAAT – Valor Anual Total por Aluno
VAAR – Valor Aluno Ano Resultado
